28 de Junho foi o dia que eclodiu a Rebelião de Stonewall, uma série de manifestações radicais de pessoas sexodissidentes contra a violência policial no bar Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, Manhattan, em Nova York, num contexto onde o sistema jurídico, médico e político eram consistentemente antilgbt. A revolta que se tornou marco de luta para as questões de sexualidade e gênero dissidentes, tiveram o protagonismo de Marsha P. Johnson e Stormé DeLarverie, autointitulades dragqueen e dragking, além de membres da comunidade negra estadunidensse.
Cremos que a opressão e o controle contemporâneo das sexualidades, além de terem em seu cerne questões racistas também guardam premissas civilizatórias, uma vez que, mesmo muito antes da invenção da heterossexualidade, o prazer sexual e a reprodução humana sempre provocou um fascínio religioso, político e econômico, bem como foi de domínio de uma hegemonia e normatizada por uma elite. Diversas civilizações tiveram o poder de reduzir as infinitas possibilidades sexuais, de afeto e de expressão de gênero, que inclusive existiram e existem ancestralmente, a meros objetos de reprodução para a perpetuação de um clã, de um povo e dos valores de suas elites, em vários casos, sob o esquema da colonização e privatização da terra, através da produção agrícola e da domesticação de animais não humanos, embora não tenha sido um fenômeno universal. A coisa se naturalizou de tal forma que a própria comunidade negra e indígena já justificou a dissidência de sexogênero como coisa de branco e desvio antinatural, assim como os marxistas responsabilizaram o capitalismo por este comportamento social. Hoje em dia já sabemos que diversos animais não humanos, inclusive plantas, fogem as regras e características de masculinidade e feminilidade imposta pelas necessidades das elites das grandes civilizações e também que as culturas de povos nômades atribuíam o que hoje chamamos por transição de gênero e relações homoafetivas, ao âmbito da espiritualidade lhes garantindo poder político por isso.
Conhecida como sopa de letras a sigla LGBTQIA+ é insuficiente para expressar a necessidade de revolta e combate ao Cistema Heterossexista, que submete a humanidade a um controle supremacista do comportamento sexual e das expressões gênero, além de operar como tecnologia de expansão da supremacia branca. Neste marco que revive uma luta insurgente contra a violência proferida às expressões diversas de ser e existir na perspectiva da sexualidade e do gênero, nós resgatamos este ímpeto para afirmar a dissidência sexual como horizonte político que questiona este regime fundamentado nas genitais e cria o sexo enquanto categoria que define um sistema de valores e práticas. Ao afirmar a Dissidencia Sexual queremos nos referir também a uma posição radical de crítica a outras formas de política sexual inclusivas e colaboradoras desta ficção alienante como a diversidade sexual e a representatividade. Cada vez mais a sigla LGBTQIA+ remete a uma identidade pacífica e tolerante desta estrutura, além de cúmplice do mercado neoliberal, da supremacia branca e do urbanismo desenfreado. Se o Cistema Heterossexista é um regime político disciplinar, que produz e normaliza os corpos e as subjetividades segundo um ideal regulatório invisibilizador de sua própria operação política, alguns corpos que se autoproclamam queer, propagam em voz alta a diversidade sexual ou lutam por representação nas mídias que lucram com o amor romântico, são hoje, infelizmente, quem mais deseja a tolerância com este arranjo para caber na ordem disciplinar cishetero.
Queremos fazer o resgate da sexualidade e expressões de gênero das nossas ancestralidades negras e indígenas, não para romantiza-las e realocá-las no lugar de uma pureza divina, repetindo a mesma estratégia moralista e normalizadora da supremacia branca, mas sim para pensá-la críticamente, atenta as suas contradições e aos seus tabus, entendendo-nos como sobreviventes de nosso tempo, cientes de nossa capacidade de contaminação e destruição, para que a cosmovisão de nossos povos, não seja uma nova bíblia cagadora de regras, mas sim, uma referência que inspire a criação e a organização de nossas políticas hoje, aqui e agora. A vivência trans trouxe um bug nos sistemas de classificação da sexualidade ocidental, já que tanto a homo quanto a heterossexualdiade está esquematizada a partir dos genitais. A mudança dos padrões de gênero tem insistido em adaptar-se a essa conceituação colonial e cissexista, apagando o que de mais belo existe nesta implosão: a falta de sentido prático e material das conceituações pros corpos que não atendem a norma.
A dissidência sexual que defendemos entende que este cistema é fruto da supremacia branca, organiza uma economia baseada na servidão e ameaça animais não humanos e o meio ambiente diante da expansão supremacista da espécie. Não lutamos pela assimilação da nossa população no Cistema Hetero, advogando pelo direito ao casamento (embora seja estratégico nas questões de imigração), inserção nas empresas e aceitação na polícia ou exército, aliás, não há nada mais bizarro, racista e apagador da revolta de Stonewall do que celebrar militares e policiais lgbts. Abominamos o nicho de mercado feito para homogenizar e regular nossa pluralidade e rogamos para que as religiões supremacistas brancas, responsáveis diretas pelo nosso extermínio, afundem no próprio inferno que criaram nos vendo gozar ao transformar seus símbolos sagrados em brinquedos do nosso prazer e em lenha para o fogo da nossa paixão escatológica. Queremos construir a liberdade para as relações afetivas e de cuidado entendendo que ser livre não é optar pelo padrão hegemônico dentre outras opções, mas sim construir a política envolve nossas vidas.
Meu look é de recicle, detona fashionweek é o bonde dreadlock apavorando as bichas chiques
Mogli Saura
Propagamos uma noção de dissidência sexual radicalmente antiqueer, mesmo reconhecendo a sua importância na crítica que desenvolvemos, mas atentes que este termo chega no terceiro mundo a partir da academia e foi usado por lgbts brancas, ricas e hypes como arma para colonizar, subjugar e apropriar a vivência de monstres negres, periferiques e marginais. Queer não faz sentido no terceiro mundo, nem na favela, afinal aqui já existe uma monstruosidade assustadora da normalidade cisheterobranca.
Para mí, lo queer como apuesta política radical ya dejó de tener sentido desde el momento en que su identidad que era difusa e inidentificable fuera ya coaptada y vendible como queer, kuir, cuir o como sea
Constanzx Alvarez Castillo
Como gates, cachorres, onçes e lobes exercite a autofelação e lamba todo os corpos de quem você ama, entenda que chupar é um ato dissidente de cumprimento, por isso cremos que podemos usar a pornografia como uma arma para vomitar no mundo nossas experiências dissidentes e nossas criações que esquarteja a moral hipocríta e violenta que os nossos assassinos defendem. Somos radicalmente contra a concepção de família da supremacia branca: nuclear, monogâmica e geneticamente narcisita. Nossa fertilidade não é desperdiçada cagando cabeças mas florescendo novos modos de afeto e cuidado, resgatando corpos abandonados, orfãos e vulneravéis de abrigos. Na nossa manada circulam fedorentes, gordes e sujes, que transforma o nojo da hegemonia na nossa potência máxima. Acreditamos que nossa solidão se encerra quando começarmos a olhar pra nossa própria comunidade como digna de nossa sexoafetividade e nossa confiança, chorar pelo homem cis branco hetero ou pela sinházinha patrícia dondoca que não te quer, só revela seu autoódio e sua incapacidade de você mesma amar alguém como você. Os padrões hegemonicos que esfregam a mediocridade em nossos fucinhos e projetam nossa solidão merecem nosso profundo ódio, nada mais que isso.
Por menos orgulho pacificador e por mais revolta monstruosa