Lançamento Zine Anti Projeto Anarco Fake

O zine do Anti Projeto Anarco Fake conta com o texto “Do punk pro funk, do funk pro fake: Uma história de dissidências e atualizações na cena contracultural e libertária brasileira” e uma entrevista exclusiva que nós fizemos com a artista, papão super sincero que atualiza os questionamentos radicais que infeccionou a normalidade branca e o anarquismo brasileiro na ultima década, além de reflexões importantes a cerca das políticas que circulam a dissidência sexual, o racismo e o capitalismo.

O zine custa 20$ e está sendo distribuído pela Distro Dysca, os pedidos devem ser realizados até o dia 09/08, as postagens se darão via correios (custo da postagem pra compradore) a partir do dia 11/08.

#zineantiprojeto #antiprojetoanarcofake #moglisaura #dopunkaofunkdofunkaofake #menageacoiote #rapdofracasso #monstruosas #distrodysca

“Não devemos poupar críticas ao kuir, ao trans*, ao feminismo, ao anarquismo, ao freeganismo e veganismo, a decolonialidade, enfim… são todas terminologias epistemicídas. São bandeiras que chegam já comprometidas para nós e é importante queimá-las todas juntas em uma fogueira só. Depois disso agente pega as cinzas e mescla com nosso sangue escorrendo, nossa terra saturada, acrescenta água de chuca e envolve em folha de bananeira amarrando bem com o próprio cabelo. Isso servirá de patuá para nos ajudar sempre que precisarmos explicar racionalmente o processo de encontro ancestral que estamos traçando.”

Mogli Saura

69Anticolonial: um troca x troca entre EdiyPorn e Monstruosas

Falar sobre pornografia é um tabu dos bons, a crítica a ela une cristãos e feministas, conservadores e progressistas, fascistas e anarquistas. A moral e o pudor cristão que marginaliza e condena a auto experimentação sexual e a exibição pública da sexualidade se infiltra como valor de pureza, indicador de caráter e termômetro político nos mais distintos setores da sociedade, implicando no ambiente confortável e punitivo para que o pornô seja uma ferramenta pedagógica e difusora de uma sexualidade abusiva e excludente, controlada por homens brancos cis heterossexuais, além de servir para atualizar os estereótipos de gênero reforçando o cistema enquanto tecnologia da supremacia branca, a heterossexualidade enquanto regime político e normatize as práticas sexuais.

Entender que o pornô não tem uma essência violênta, mas é uma ferramenta operada a serviço de uma hegemonia sexista, foi o estalo para um movimento que pretende registrar práticas sexuais contrárias à norma cishetero e sugerir que corpos não hegemônicos, abjetos e com diversidade funcional também possam experimentar e criar suas sexualidades, protagonizando seus registros sem ser fetiche ou categoria. Desta forma o póspornô, pornô dissidente, pornô desviante, autopornografia, entre outras formas questionadoras do pornô hegemônico, emerge como uma ação política que atua na construção de outras possibilidades hoje.

Com objetivo de compartilhar e difundir um pouco mais esta tática a Monstruosas realizou uma entrevista com a EdiyPorn, a primeira produtora de pornô desviante e dissidente do Bra$il. Lançada publicamente em abril de 2020, a EdiyPorn nasce com a proposta de hackeamento de imaginário dentro do mercado pornográfico e tem como premissa produzir com tesão, sem separar os vídeos por categorias objetificadoras, uma vez que não se importa só com a imagem, mas sim, prioriza a confiança e o consentimento sobre todo o processo de produção. A produtora conta com a dupla protagonista do Golden Shower no Blocu, durante o carnaval de São Paulo em 2019, a performance repercutiu mundialmente devido ao interesse do atual Presidente do Brasil pela prática realizada pelas performers, transformando-a em assunto de Estado e se firmasse como um importante ataque na moral conservadora nos últimos tempos assim como as performances do Coletivo Coiote e das intervenções das Putinhas Aborteiras.

A entrevista seguiu um esquema de putaria horizontal onde a EdiyPorn também entrevistou Timboiá Igbalé, uma das colaboradoras da Monstruosas materializando o 69 Anticolonial, um troca x troca entre EdiyPorn e Monstruosas, a entrevista da nossa absurda monstrinha você pode conferir aqui.

Monstruosas: A Ediy se pretende uma produtora de pornô desviante, com base numa crítica sobre a representação hegemônica da sexualidade que acaba por normatizar desejos. Na prática, de que forma se faz isso? E porque é tão importante ressignificar o pornô?

EdiyPorn: O que queremos como produtora é mexer na lógica de produção e consumo de pornografia. O pornô mainstream tem um modo de trabalho bastante similar ao audiovisual que lida com uma equipe muito setorizada, roteiros, hierarquias de set e de produção, onde o objetivo principal é ter um vídeo como o planejado e que ele seja rentável economicamente. Então, quando falamos sobre pornô desviante é sobre mudar essa estrutura de trabalho. O objetivo principal de um set nosso é que as pessoas que estejam performando desfrutem do encontro de corpos e das práticas feitas, que tenham tesão e gozem. Para isso entendemos que toda a equipe tem que estar confortável e atenta aos performers para que estes possam estar a vontade e as câmeras interessadas na ação, nas pessoas, em como isso está sendo impresso na imagem. E a gente vem percebendo sobre a importância da pessoa que edita o vídeo ter esse olhar também, esse tesão pela imagem retratada na cena para poder trabalhar a edição de forma que seja guiada pelo tesão que rolou entre performers e que conduza o espectador ao prazer. Acreditamos que ressignificar o pornô é mexer nele desde a estrutura e pelo afeto. Há um tempo a gente vem constituindo redes e comunidades. Relações que criam possibilidades surgirem frente ao aplastamento normalizador de subjetividades. E também tem a ver com isso a ressignificação do pornô: com quem estamos produzindo? Para quem? O pornô é um veículo para alargar percepções de sexualidade e é importante ressignificar essa linguagem porque ela desempenha uma força estruturante das formas como nos relacionamos. Como aprendemos a nos relacionar pelas lógicas coloniais, reconhecemos a urgência de mexer com o que sentimos como sexual, o que entendemos como prazer, como desejo, desejante ou desejável para que a gente possa trepar com um gozo livre no mundo que estamos preparando em resposta à esse que cai.

M: No site da produtora tem uma sessão chamada “Goze Junte”, vocês dizem que a putaria é feita por todes. É um claro chamado pra se juntar a um bonde gozante através da prática masturbatória, onde, de certa forma, provoca as pessoas a gravarem vídeos se masturbando e compartilharem. Qual a importância do autoregistro e da auto-exposição na construção de uma sexualidade desviante?

E: É o rolê da construção das próprias narrativas, né? O autoregistro é meio que uma masturbação cyber: você se sente e também se vê de fora, fica gravado, é ser voyeur e exibicionista se vc se assiste, ou exibicionista manda pra outres, ou vc pode entrar nessa uma orgia cyber se vc manda pra gente da EDIYPORN subir no “Goze Junte” rs. E tem também uma parada da masturbação que a gente gosta muito que é a exploração do autoprazer como um caminho que nos damos para se descobrir, um processo de autoexploração, autoconhecimento e cuidado. Dar tesão pra si. Aí pensamos: e se compartilhamos esse autoprazer com outras pessoas? É intercambiar referências, é entrar e ver as diferentes formas, lugares e objetos que outres usam nesse momento consigo.

Então vem a potência da auto-exposição reafirmar as redes: nenhum corpo se constitui sozinho. Pensamos que essa aba do site é pra ser um ponto de encontro que cria um banco de referências de corpas e tesões. Nós, corpas bixas, travestisgêneres, sapatonas, gordes, pretes, nbs e tantas outras temos poucas referências dos nossos corpos sendo bem retratados e tendo prazer no pornô, sempre fomos rechaçades ou fetichizades, então a auto-exposição é poder ter autonomia sobre como vamos retratar nosso corpo, prazer e desejo e de como podemos nos fazer desejáveis.

“Nossos olhos estão viciados a se atraírem pela estética hegemônica: corpos esculpidos em academia, proteína e silicone, bucetas sempre dispostas, cus que são feitos para os paus, paus gigantes que fizeram a gente associar a dor de uma penetração à prazer, locações descuidadas, diálogos superficiais, tesão atuado… essa lista é pencas extensa. Precisamos de um detox!”

Contato é um poema audiovisual sobre isolamento, intimidade, natureza e memória corporal durante a pandemia do covid-19. Ficou disponível no site da produtora durante alguns dias do Ciclo Make Me Cam. Hoje no site, você pode conferir alguns frames e o texto que faz parte do projeto.

M: A categoria “amador” na pornografia digital é a mais acessada, contudo apesar de ser mais flexível quanto aos padrões corporais e etários, se percebe cada vez mais estas produções se aproximando dos estereótipos hegemônicos quanto ao corpo e ao comportamento, nos fazendo refletir sobre o tamanho da influência da pornografia convencional na educação sexual e até mesmo na própria concepção de sexualidade. Vocês refletem sobre esta função pedagógica do pornô? como pretendem expandir isso para além de um negócio entre amigues?

E: A pornografia amadora é muito acessada e tem uma oferta enorme de corpos. Mas quais desses pornôs tem sido mais fomentado? Quem tem ganhado mais biscoito? Porque mesmo quando a gente não paga por putaria na internet, cada view, like ou seguidor também é um capital e a moeda é a atenção e o tempo de usuários dedicado àquele conteúdo. O que consumimos de material pornográfico vai construindo nossa subjetividade e alimentando nosso imaginário sexual.

Pelo que temos visto e pesquisado, a pornografia amadora que mais vende é aquela que mistura corpos do pornô mainstream, práticas genitais e selfies de instagram numa estética de tumblr. É uma receita de mercado que se aproveita do vício imagético construído pelo pornô tradicional. Nossos olhos estão viciados a se atraírem pela estética hegemônica: corpos esculpidos em academia; proteína e silicone; bucetas sempre dispostas; cus que são feitos para os paus; paus gigantes que fizeram a gente associar a dor de uma penetração à prazer; locações descuidadas; diálogos superficiais; tesão atuado… essa lista é pencas extensa. Precisamos de um detox! Temos cada vez mais pessoas sudakas e dissidentes produzindo conteúdo tesudo, seguro e de qualidade. Cada vez mais pessoas negras, boycetas, lésbicas, gordes e travestis produzindo pornô e alimentando suas páginas em onlyfans ou justforfans – plataformas de venda de conteúdo amador.

Mas ainda essas produções seguem fragmentadas, você tem que dar uma boa garimpada na internet pra achar. Mas é isso, estamos num momento de mudança de paradigmas socioculturais, em que movimentos culturais e sociais estão gritando mais alto e com sede de reparação. Já nos demos conta da merda que a hegemonia branca heterociscentrada e magrocrata cagou com nossas subjetividades. Entendemos que a educação sexual que tivemos pelo pornô mainstream nos violentou. Nossa sociedade aprendeu a foder mal e se satisfazer com pouco. Nos ensinam a foder na receita binária de ativo – passiva, dominador – submissa, masculino falo, feminino buraco, numa foda que tem roteiro de 3 tempos: preliminar – penetração – orgasmo (mas o orgasmomasculino e peniano vale mais). Então estamos querendo nos deseducar e desaprender para poder viver nossas sexualidades sem toxinas normalizantes e, a partir dessa vivência, produzir um pornô que desvia dessas normas, alimentando uma subjetividade sexual sem receita e sem fronteira. E esse movimento ganha muita potência no momento que alcança mais pessoas, no momento que sai da nossa bolha de amigues. Isso é sobre aumentar a rede e o público, desde que começamos a pensar e construir a EDIYPORN no começo de 2019, a gente vem se abrindo e conhecendo muitas pessoas que também estão pensando, repensando e vivendo a sexualidade de maneira interessada na mudança das narrativas pornograficas tradicionais. Estávamos a todo o vapor, com planos de gravações e encontros e rolou pandemia e quarentena. Sem poder gravar novas cenas decidimos expandir ainda mais a essa rede e buscamos pessoas que estão produzindo pornografia independente e massa para somar com conteúdo para o site. Nós estamos comprando material dessas pessoas, mas não temos muito acué pra oferecer, então, acaba que quem chega junto é porque bota fé no projeto, é por acreditar que podemos criar essa outra forma de fazer e consumir pornografia. Temos trocado ideia com uma galera muito boca e isso tem nos levado além das fronteiras físicas de São Paulo e também estamos em diálogo com produtoras que trabalham com mainstream, mas que acreditam num outro pornô. Nosso desejo é de expansão: entrar no mercado e poder ter circulação de acué pra fomentar dignamente quem está no pornô desviante.

“O bloqueio das sexualidades desviantes é parte do higienismo social que faz a manutenção do racismo e das fobias estruturais. É o mesmo higienismo que fazos planos urbanísticos marginalizarem vidas não abastadas, em crescente expansão pela especulação imobiliária, que é responsável por tomadas de terras indígenas, chacinas em periferias e suicídios de pessoas sexo-gênero dissidentes.”

M: Um outro aspecto interessante é o PORNOSHOW, onde realizam ações performáticas que também trazem processos de investigação e pesquisa artística, aliás o pornô e arte sempre estiveram intimamente ligados, talvez por ambos se conectarem através dos estímulos sensoriais e subjetivos. Pra vocês, quando o pornô se distancia da arte e quando a arte nega o pornô enquanto tecnologia provocadora e produtora de desejos e de realidades?

E: O pornô começou com a arte. Preciado escreve q a noção de ‘pornografia’ surge entre os séculos XVIII e XIX e se referia a pinturas tidas como “obcenas”. Então, num sentido subjetivo realmente estão intimamente ligados e ambos são fundamentais para a construção do nosso imaginário. Mas talvez haja um distanciamento entre eles que por um lado é mercadológico: qual é o produto e onde será vendido ou exposto, e por outro uma questão de proposta: desfrutar? refletir? entreter? criticar? o que queremos com esse material? Vemos os PORNOSHOWs como ações disruptivas desses supostos distanciamentos. São performances que rompem com o lugar onde nossa sociedade coloca o sexo: a esfera íntima retraída pro privado, velado, obsceno. Então, causa uma reflexão acerca de certas práticas sexuais e de certas corporalidades ao mesmo tempo que produz imagens de prazer e desfrute. A pornografia reafirma o colonialismo quando enaltece os corpos brancos, cis, magros e héteros realizando práticas binárias e genitais. E a arte reafirma a lógica colonialista meritocrática baseada em interpretações, signos e significados, se esquivando de ações explícitas, e as negando enquanto tecnologia produtora de subjetividade por serem “vulgares”. Nossa sociedade ainda vê a sexualidade como algo estanque, que vem junto com o nascimento e “é assim”. Quantas vezes já não escutamos frases racistas, misóginas ou fóbicas sendo amparadas pelo intocável e inexplicável desejo sexual, o clássico: “eu super respeito, mas não gosto de trepar com x tipo de corpo, é meu desejo.” Mas entendemos quenosso desejo foi construído socialmente e nesse limbo entre arte e pornô, há movimentos que o afirmam como espaço de disputa, e é por aí que fluem os pornôs feministas, pós-pornôs e pornôs desviantes, tecendo críticas ao mesmo tempo que se estabelecem como fazedores de realidade.

 

M: Recentemente, juntes com o coletivo Revolta, organizaram o MAKE ME CAM: TE COVID A GOZAR, onde trataram sobre as questões do isolamento social nas dissidências sexuais. Podem falar um pouco da experiência?

E: O processo de construir o ciclo foi muito bacana. Foi uma proposta que surgiu do Coletivo Revolta em parceria com o curador Guilherme Teixeira. Foi sobre discutir e experienciar esse lugar em que a arte e a pornografia dialogam. As ações do Revolta, assim como os PORNOSHOWs habitam esse lugar. Viver esse momento pandêmico está sendo um desafio para todes. Principalmente pra quem trabalha com arte, audiovisual e entretenimento e para as populações marginalizadas por raça, gênero e classe. Essa crise reafirma muito as questões de privilégios e vulnerabilidade e o olhar que temos para a sexualidade é buscando as relações dessas heranças colonialistas com nossos desejos e prazeres, então elaborar essas questões por meio de trabalhos artísticos construídos e discutidos em coletivo é muito rico. E é também sobre seguir em movimento, apesar da crise e na medida do possível, é sobre gerar energia de vida. Foi muito potente o MAKE ME CAM para dar mais sentido ao que estamos fazendo, fortalecendo a rede de afetos que temos e reinventando o modo como podemos circular e alimentar a cultura e a subjetividade.

M: Além da dissidência sexual, uma das coisas que mais assustam a moral e os costumes dos cidadãos de bem falsos moralistas são as práticas escatológicas, mesmo assim tem uma quantidade absurda de gente que adora este babado mas fica numa espécie de armário. No campo do pospornô no Bra$sil, tem a Kali, do DF, com uns vídeos deboches sobre a menstruação, a Bruna Kury, de SP, tem um trampo de bosta com gliter, entre outres. Enfim, vocês pensam em explorar esta categoria? Já tem algo saindo do forno neste sentido?

E: Certamente! A gente tem alguns vídeos online que envolvem mijo e um da série Autoprazer (série dedicada à masturbações de autoexploração) com merda – que é um pouco tímido em relação à scat, mas é algo. Está em processo de edição outro vídeo de Autoprazer com sangue de menstruação e ainda pretendemos explorar muito mais esse campo, performers com tesão nisso nós temos! Nós também exploramos bastante a escatologia nas ações PORNOSHOW, quase sempre envolvemos mijo (uma das ações que ficou mais conhecida foi a que viralizou como Golden Shower), também já cagamos em cena e já rolou performances com sangue. Entrando nesse lugar em que a arte adora, podemos interpretar a escatologia como uma prática que rompe com as lógicas do capitalismo branco classista. A normalização compulsória imposta pelo sistema fez a gente odiar nossos corpos fora do padrão, fez com que sentíssemos nojo dos próprios cheiros e fluídos e vergonha de certos desejos e prazeres. O bloqueio das sexualidades desviantes é parte do higienismo social que faz a manutenção do racismo e das fobias estruturais. É o mesmo higienismo que faz os planos urbanísticos marginalizarem vidas não abastadas, em crescente expansão pela especulação imobiliária, que é responsável por tomadas de terras indígenas, chacinas em periferias e suicídios de pessoas sexo-gênero dissidentes. Então, podemos dizer que a escatologia é muito potente como simbologia e tecnologia de resistência.

M: Aqui no Brasil, existe um estigma muito violento contra as pessoas que vivem com HIV, sobretudo quando estas exercem trabalho sexual, seja na prostituição, seja no audiovisual. Visibilizar pessoas que convivem abertamente com o vírus em práticas sexuais com pessoas localizadas ou não com vírus, tendo em vista o efeito pedagógico da pornografia, pode contribuir para a autoestima e propagação do debate sorológico?

E: Sim, de fato, o estigma em relação ao HIV-AIDS e às pessoas soropositivas ainda está muito presente no Brasil. A grande maioria das pessoas, inclusive LGBTQIA+, não estão acompanhando os debates sorológicos e os avanços das possibilidades de tratamentos com antirretrovirais ou métodos de prevenção como PREP e PEP (profilaxia pré-exposição e profilaxia pós-exposição). Essa falta de informações sobre o tema é a principal aliada para que o espectro em torno do HIV-AIDS siga sendo aquele dos anos 1980: temor em relação à infecção pelo vírus, associar as pessoas soropositivas à morte ou fragilidade, receber a notícia da infecção como uma sentença de morte ou sentindo auto repulsa, a recusa em ter relações sexuais com pessoas convivendo com HIV… Nós temos sorte de trabalhar em meio sexo-gênero dissidente que está fomentando o diálogo em relação à temática e acompanhando as discussões atuais sobre o tema. Sendo assim, não podemos deixar de comentar que quando falamos sobre HIV-AIDS é fundamental falarmos sobre questões raciais e de classe, pois hoje ainda há um grande número de pessoas que não conseguem acessar os tratamentos e a população preta e de baixa renda é a que mais morre por consequências da AIDS hoje. Então nós como uma plataforma que trabalha com sexualidades, planejamos circular variados materiais sobre HIV-AIDS na cessão de Diversos que é aberta ao público para poder informar e fomentar por meio de textos, vídeos e podcasts essa discussão urgente. 

Respondendo mais diretamente à questão, é fundamental que a gente quebre o imaginário herdado pelo apelo midiático dos 80. Uma estratégia para isso é investir nas mudanças das narrativas que envolvem HIV-AIDS, e nesse sentido a pornografia tem muito a contribuir ao criar ficções que abordem o tema sem tabus e com informações sobre métodos de prevenção ou sobre a possibilidade de tratamento hoje, a impossibilidade de transmissão quando se está indetectável, que são informações que podem ajudar para que a autoestima das pessoas soropositivas não seja afetada pela convivência com o vírus ou pela desinformação alheia (que sabemos que resulta em situações violentas). Nós temos um vídeo que está online que chama Blue Shower, e traz a temática da PREP como alternativa de prevenção. São imagens de uma sapatona (Renatame) fazendo um shibari num viado (Gugu), ele desfruta do prazer de estar imobilizado e recebendo uma chuva de pílulas azuis, Renatame bate nele com um chicote de camisinhas cheias de fluidos, depois ele se deda com uma camisinha interna no cu e mergulha numa água cor PREP. Acho que associar essas imagens ao prazer é contribuir com o debate sorológico, é trazer pro âmbito pornô o prazer de pensar e cuidar da nossa saúde sexual. Pretendemos explorar muito mais e de diversas formas essa temática em futuras produções.

Nunca esqueçam: O orgulho nasceu da revolta!

28 de Junho foi o dia que eclodiu a Rebelião de Stonewall, uma série de manifestações radicais de pessoas sexodissidentes contra a violência policial no bar Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, Manhattan, em Nova York, num contexto onde o sistema jurídico, médico e político eram consistentemente antilgbt. A revolta que se tornou marco de luta para as questões de sexualidade e gênero dissidentes, tiveram o protagonismo de Marsha P. Johnson e Stormé DeLarverie, autointitulades dragqueen e dragking, além de membres da comunidade negra estadunidensse.

Cremos que a opressão e o controle contemporâneo das sexualidades, além de terem em seu cerne questões racistas também guardam premissas civilizatórias, uma vez que, mesmo muito antes da invenção da heterossexualidade, o prazer sexual e a reprodução humana sempre provocou um fascínio religioso, político e econômico, bem como foi de domínio de uma hegemonia e normatizada por uma elite. Diversas civilizações tiveram o poder de reduzir as infinitas possibilidades sexuais, de afeto e de expressão de gênero, que inclusive existiram e existem ancestralmente, a meros objetos de reprodução para a perpetuação de um clã, de um povo e dos valores de suas elites, em vários casos, sob o esquema da colonização e privatização da terra, através da produção agrícola e da domesticação de animais não humanos, embora não tenha sido um fenômeno universal. A coisa se naturalizou de tal forma que a própria comunidade negra e indígena já justificou a dissidência de sexogênero como coisa de branco e desvio antinatural, assim como os marxistas responsabilizaram o capitalismo por este comportamento social. Hoje em dia já sabemos que diversos animais não humanos, inclusive plantas, fogem as regras e características de masculinidade e feminilidade imposta pelas necessidades das elites das grandes civilizações e também que as culturas de povos nômades atribuíam o que hoje chamamos por transição de gênero e relações homoafetivas, ao âmbito da espiritualidade lhes garantindo poder político por isso.

Marsha P. Johnson (esq) e Sylvia Rivera (dir) fundadoras da STAR, Street Transvestite Action Revolutionaries, iniciativa radical interseccional que também forneceu moradia e apoio a jovens homossexuais sem-teto e profissionais do sexo na Baixa Manhattan. Rivera e Johnson financiaram a organização em grande parte através do trabalho sexual.

Conhecida como sopa de letras a sigla LGBTQIA+ é insuficiente para expressar a necessidade de revolta e combate ao Cistema Heterossexista, que submete a humanidade a um controle supremacista do comportamento sexual e das expressões gênero, além de operar como tecnologia de expansão da supremacia branca. Neste marco que revive uma luta insurgente contra a violência proferida às expressões diversas de ser e existir na perspectiva da sexualidade e do gênero, nós resgatamos este ímpeto para afirmar a dissidência sexual como horizonte político que questiona este regime fundamentado nas genitais e cria o sexo enquanto categoria que define um sistema de valores e práticas. Ao afirmar a Dissidencia Sexual queremos nos referir também a uma posição radical de crítica a outras formas de política sexual inclusivas e colaboradoras desta ficção alienante como a diversidade sexual e a representatividade. Cada vez mais a sigla LGBTQIA+ remete a uma identidade pacífica e tolerante desta estrutura, além de cúmplice do mercado neoliberal, da supremacia branca e do urbanismo desenfreado. Se o Cistema Heterossexista é um regime político disciplinar, que produz e normaliza os corpos e as subjetividades segundo um ideal regulatório invisibilizador de sua própria operação política, alguns corpos que se autoproclamam queer, propagam em voz alta a diversidade sexual ou lutam por representação nas mídias que lucram com o amor romântico, são hoje, infelizmente, quem mais deseja a tolerância com este arranjo para caber na ordem disciplinar cishetero.

Queremos fazer o resgate da sexualidade e expressões de gênero das nossas ancestralidades negras e indígenas, não para romantiza-las e realocá-las no lugar de uma pureza divina, repetindo a mesma estratégia moralista e normalizadora da supremacia branca, mas sim para pensá-la críticamente, atenta as suas contradições e aos seus tabus, entendendo-nos como sobreviventes de nosso tempo, cientes de nossa capacidade de contaminação e destruição, para que a cosmovisão de nossos povos, não seja uma nova bíblia cagadora de regras, mas sim, uma referência que inspire a criação e a organização de nossas políticas hoje, aqui e agora. A vivência trans trouxe um bug nos sistemas de classificação da sexualidade ocidental, já que tanto a homo quanto a heterossexualdiade está esquematizada a partir dos genitais. A mudança dos padrões de gênero tem insistido em adaptar-se a essa conceituação colonial e cissexista, apagando o que de mais belo existe nesta implosão: a falta de sentido prático e material das conceituações pros corpos que não atendem a norma.

Banca do artista Caetano Costa na Feira Autonoma Sexodissidente, em Recife – PE

A dissidência sexual que defendemos entende que este cistema é fruto da supremacia branca, organiza uma economia baseada na servidão e ameaça animais não humanos e o meio ambiente diante da expansão supremacista da espécie. Não lutamos pela assimilação da nossa população no Cistema Hetero, advogando pelo direito ao casamento (embora seja estratégico nas questões de imigração), inserção nas empresas e aceitação na polícia ou exército, aliás, não há nada mais bizarro, racista e apagador da revolta de Stonewall do que celebrar militares e policiais lgbts. Abominamos o nicho de mercado feito para homogenizar e regular nossa pluralidade e rogamos para que as religiões supremacistas brancas, responsáveis diretas pelo nosso extermínio, afundem no próprio inferno que criaram nos vendo gozar ao transformar seus símbolos sagrados em brinquedos do nosso prazer e em lenha para o fogo da nossa paixão escatológica. Queremos construir a liberdade para as relações afetivas e de cuidado entendendo que ser livre não é optar pelo padrão hegemônico dentre outras opções, mas sim construir a política envolve nossas vidas.

Meu look é de recicle, detona fashionweek é o bonde dreadlock apavorando as bichas chiques

Mogli Saura

Propagamos uma noção de dissidência sexual radicalmente antiqueer, mesmo reconhecendo a sua importância na crítica que desenvolvemos, mas atentes que este termo chega no terceiro mundo a partir da academia e foi usado por lgbts brancas, ricas e hypes como arma para colonizar, subjugar e apropriar a vivência de monstres negres, periferiques e marginais. Queer não faz sentido no terceiro mundo, nem na favela, afinal aqui já existe uma monstruosidade assustadora da normalidade cisheterobranca.

Para mí, lo queer como apuesta política radical ya dejó de tener sentido desde el momento en que su identidad que era difusa e inidentificable fuera ya coaptada y vendible como queer, kuir, cuir o como sea

Constanzx Alvarez Castillo

Como gates, cachorres, onçes e lobes exercite a autofelação e lamba todo os corpos de quem você ama, entenda que chupar é um ato dissidente de cumprimento, por isso cremos que podemos usar a pornografia como uma arma para vomitar no mundo nossas experiências dissidentes e nossas criações que esquarteja a moral hipocríta e violenta que os nossos assassinos defendem. Somos radicalmente contra a concepção de família da supremacia branca: nuclear, monogâmica e geneticamente narcisita. Nossa fertilidade não é desperdiçada cagando cabeças mas florescendo novos modos de afeto e cuidado, resgatando corpos abandonados, orfãos e vulneravéis de abrigos. Na nossa manada circulam fedorentes, gordes e sujes, que transforma o nojo da hegemonia na nossa potência máxima. Acreditamos que nossa solidão se encerra quando começarmos a olhar pra nossa própria comunidade como digna de nossa sexoafetividade e nossa confiança, chorar pelo homem cis branco hetero ou pela sinházinha patrícia dondoca que não te quer, só revela seu autoódio e sua incapacidade de você mesma amar alguém como você. Os padrões hegemonicos que esfregam a mediocridade em nossos fucinhos e projetam nossa solidão merecem nosso profundo ódio, nada mais que isso.

Por menos orgulho pacificador e por mais revolta monstruosa

Sob Butler: Cruzando a Distopia Brasileira

Jota Mombaça
Trad.: Natalia Affonso

10 de Novembro: Judith Butler é assediada no aeroporto de Congonhas por um grupo de brasileiros conservadores, após uma semana de controvérsias por causa da sua participação no seminário “Os Fins da Democracia”, promovido pelo SESC Pompeia em São Paulo. Até antes da chegada de Butler no país, os conservadores já tinham começado a lutar contra a presença dela no país. Uma petição pública foi lançada e houve uma ampla campanha nas redes sociais contra a suposta contribuição da filósofa para a difusão da tão falada ideologia-de-gênero-que-está-arruinando-a-juventude-nacional como uma praga dentro das escolas e universidades.

De repente, a teoria queer deixa os corredores acadêmicos de onde surgiu para o centro de um debate acalorado travado na arena da já turbulenta esfera pública do país. As imagens de bruxas sendo queimadas pelas mãos de cristãos fundamentalistas, assim como os posters ofensivos acusando os textos de Butler de incitação à “pedofilia” e ao “anti-semitismo”, nos oferecem um registro visual da vocação surrealista das interpretações conservadoras quanto ao cenário atual do Brasil e do mundo. Sem nenhuma conexão com uma epistemologia realista, o cerne dessa narrativa é o pânico moral em relação à ameaça apresentada pelo crescimento de movimentos como o LGBTQIA e o transfeminismo Interseccional ao mundo que eles estão tentando preservar – mundo governado pelo binarismo de gênero, pela família heterosexual, e pela ficção do grande guerreiro nacional.

Protesto contra a aparição de Judith Butler na conferência “Os Fins da Democracia”, em São Paulo. O cartaz traz a filósofa como destruidora da identidade sexual dos filhos da hegemonia branca heterossexual

Junto com o episódio de Butler, o fechamento da “Queermuseu” (uma exposição comissionada pelo Santander Cultural, uma proeminente instituição de arte financiada pelo banco de mesmo nome), a perseguição pública do artista Wagner Schwartz por causa de sua performance La Béte (na qual seu corpo nu é instalado como uma plataforma interativa para o público), assim como a interdição legal da peça teatral de Renata de Carvalho, O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu (baseada no roteiro original de Jo Clifford, no qual Jesus é performado como e por uma mulher trans), se tornaram simultaneamente os alvos mais visíveis dos ativistas de direita — agrupados em torno de um novo movimento alimentado por ideais antigos, o MBL — e seus aparatos institucionais (o governo em si), assim como os bastiões mais visíveis da resistência de esquerda contra a censura.

Protesto em Nova Iorque organizado por Cibele Vieira, intitulado NY Loves Queermuseu, projetou algumas das 250 obras da exposição nas fachadas do New Museum, Whitney Museum of American Art e do Bushwick Museum.

Apesar da luta contra a onda de censura moralista ser importante, por demonstrar como esses episódios de perseguição pública de artistas e intelectuais críticos estão atrelados a dispositivos de silenciamento e exclusão muito mais complexos, também é importante considerar, durante esse processo, a maneira como a própria cartografia da dissidência que está em jogo foi desenhada de acordo com os limites discursivos impostos pelos gestos conservadores de censura: as pessoas são levadas a acreditar que a arte está em risco, quando o risco artístico nada mais é do que a continuidade do próprio risco de vida daqueles corpos representados pelos inquisidores da direita como perigosos para o projeto nacional. Além disso, o espetáculo da censura pode facilmente fazer alguém acreditar que esse risco nunca antes esteve presente na história da democracia brasileira, como se a luta irrefreável de sujeitos negros, queer, trans, e femininos para apenas viver com dignidade não fosse um indicador da onipresença da supremacia branca, do fundamentalismo cisgênero, e da heteronormatividade, até mesmo durante os anos mais “progressistas” da democracia brasileira.

Por causa do apelo à imagem sagrada dos filhos-da-nação-que-devem-ser-protegidos, a cruzada pública dos conservadores de direita contra formas de expressão queer e feministas identifica as representações do corpo nu e as performances sociais não-normativas em termos de gênero e sexualidade como símbolo do espírito anti-nacionalista que está supostamente levando o país à ruína. O paradoxo é que essa narrativa apocalíptica simultaneamente esconde e reproduz a materialidade apocalíptica da política brasileira: enquanto no dia a dia, assim como nas dinâmicas das macro-estruturas, corpos não-normativos são aqueles que encontram de maneira mais escancarada a violência do cativeiro e da morte, as narrativas de direita afirmam que o que está sendo ameaçado atualmente é o direito do sujeito branco, heterossexual, e cisgênero de viver livremente às custas dos seus “outros”. Isto é, o medo dos guerreiros da moral quanto à possibilidade do mundo deles desmanchar perante o crescimento dos projetos políticos negros, queer, e feministas está profundamente ligado à reprodução social dos efeitos brutais deflagrados pelas estruturas correntes de poder contra a desobediência de gênero e as dissidências sexuais, especialmente aquelas situadas na interseção da pobreza e da discriminação racial.

Convite para o lançamento do livro: “Discriminação do gênero-homem no Brasil, em face à Lei Maria da Penha, na Livraria Praça de Casa Forte em Recife-PE. O evento, que não foi realizado no TJPE por questões de agenda, foi cancelado por pressão dos movimentos sociais que redigiram um documento onde acusam o livro de trazer, em seu título, o esvaziamento da Lei Maria da Penha e cumplicidade do judiciário com o feminicídio.

Diante de eventos como esse, pode-se dizer que a demanda emancipatória do momento é parar a marcha dessas projeções totalitaristas de ficção científica retrô, bloqueando seu caminho. O problema dessa formulação é que ela restringe o campo de batalhas ao território demarcado pelas cercas erguidas pelas cenas de sujeição dos conservadores de direita — ou, colocando de outra maneira: na tentativa de freá-los, as pessoas podem ficar presas nas ficções deles, respondendo perguntas que não podem ser respondidas senão nos termos deles e dentro do quadro de referências por eles imposto. Talvez o necessário aqui seja, em realidade, ser capaz de distinguir o que não pode ser silenciado pela perseguição hiper-moralista dos guerreiros da moral conservadora, e a continuação dos projetos inacabados de liberação negra, queer, trans, e feminista, para além do escopo totalitário.

Afinal de contas, o dilema distópico impulsionado pela intensa atividade dessas forças, pelo menos dentro do contexto brasileiro, foi antecipado até mesmo antes e por baixo da censura recente de obras de arte, exibições e seminários abertos ao público. Estava operante até mesmo antes e por baixo do que aconteceu com Judith Butler em São Paulo. Da perspectiva das pessoas as quais as expressões de gênero, desejo, sexualidade e corporalidade tem sido alvo dos códigos violentos da sociedade brasileira desde a sua formulação como democracia (e até mesmo antes e por baixo), os guerreiros distópicos dessa utopia militar sempre estiveram marchando. Nós — e aqui falo como uma bixa racializada não-binária nascida e criada no nordeste do Brasil durante o período pós-ditadura — vimos eles vindo. Ainda sim, ao invés de lutarmos sozinhas de nossas posições isoladas, escolhemos nos nutrir para não deixar que o crescimento deles nos parasse.

E nós precisamos continuar fazendo isso. Nós precisamos continuar imaginando. Precisamos continuar desbravando rotas de fuga no mapa sitiado da distopia brasileira; estudando como habitá-lo como encruzilhada e não como ponto de paragem — desviando, tumultuando, movimentando, como temos feito. Nós precisamos desarmar a guerra deles contra nossa imaginação radical para podermos sonhar com mundos que ainda não foram inventados, mesmo que toda semana os tornados reacionários do totalitarismo nos levem a defender coisas que nós já havíamos tomado por garantidas. Mesmo que eles nos forcem a defender o óbvio mil vezes, nós precisamos superar sua determinação, sonhando até mais além — acima, por trás, por dentro, contra e em volta do seu mundo de contenção. Nós precisamos incorporar, como intensidade e como matéria, o feitiço que nos permitirá falar em duas ou mais línguas ao mesmo tempo: uma que confronta a mordaça imposta pelos guerreiros da moral conservadora; e outra que nos leva para além do que eles haviam planejado para nós .

Não podemos deixar que eles nos parem agora.

(E não vamos!)

Este texto foi comissionado por e-flux conversations, e originalmente publicado em inglês no dia 18-12-2017. A tradução foi feita de forma independente e cedida pela autora ao blogue Monstruosas.

Prestação de contas: MoNSTRuoSaS: Tesões Apocalípticos nas Ruínas do Heterocapitalismo

Como ação política autônoma articulada em rede e com chamada de contribuição solidária, a 2ª edição do festival Monstruosas tinha como objetivo realizar o evento independente do valor final de arrecadação. Contudo a organização foi surpreendida com, além do apoio financeiro, o de serviços, possibilitando entre outras coisas, fornecer ajuda de custo para as atrações da programação e para equipe de produção. As contribuições e apoio foram dados em perspectiva ocultista, sem pretensão de contrapartida por meio de promoção ou propaganda por parte da equipe organizadora.

Portanto, nossos agradecimentos vão além dos valores e serviços aqui recebidos, mas principalmente por poder vivenciar, no percalço do colapso da civilização, a construção de ações autônomas que estimulam a solidariedade em congruência com uma economia da dádiva, presente nas culturas incivilizadas vítimas da colonização. Desta forma, o festival propõe uma alternativa material e concreta contra a assimilação queer e o pink money preservado a autonomia e a dissidência sexual enquanto política anticapitalista.

ENTRADA SAÍDA DETALHES
R$ 100,00 R$ 139,00 Transporte (ARTISTAS)
R$ 100,00 R$ 130,00 Transporte (ARTISTAS)
R$ 300,00 R$ 250,00 Camisetas
R$ 5,00 R$ 40,00 Papeis (CAPA ZINES)
R$ 50,00 R$ 20,00 Tintas (SERIGRAGIA)
R$ 100,00 R$ 50,00 Transporta público
R$ 40,00 R$ 70,00 Adesivos
R$ 15,00 R$ 100,00 Ajuda de custo OFICINA
R$ 240,00 R$ 100,00 Ajuda de custo OFICINA
R$ 20,00 R$ 100,00 Transporte artista
R$ 45,00 R$ 100,00 Transporte artista
R$ 700,00 R$ 50,00 Comida EQUIPE
R$ 20,00 R$ 45,00 Ajustes técnicos (INFRAESTRUTURA)
R$ 300,00 R$ 400,00 Cachê (ARTISTAS)
R$ 400,00 Ajuda de custo (EQUIPE)
R$ 41,00 Caixa Distro Dysca
R$ 2.035,00 R$ 2.035,00
ENTRADA R$ 2.035,00
CUSTOS R$ 1.194,00
CACHÊ ARTISTAS R$ 400,00
EQUIPE R$ 400,00
SALDO FINAL R$ 41,00

O saldo final de R$ 41,00 entrou para o caixa da Distro Dysca, plataforma de agitação política que distribuí nossas publicações, bem como a renda obtida por meio de contribuição espontânea dos zines, camisetas e adesivos resultando num valor de R$ 186,00.

 

CUCA TE PEGA publica Nota de Repúdio aos atos de Ademir Ferraz

Nós, do coletivo O CUCA TE PEGA, repudiamos os atos ocorridos no dia 24/04, às 19h, no auditório da ADUFERPE, durante o lançamento do livro “Heterofobia: Um risco para o Estado de Direito,” de autoria do professor Ademir Ferraz, vinculado ao departamento de Engenharia de Pesca da nossa universidade (Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE). Estamos juntxs aos/as estudantes da universidade que não aceitam uma educação que esteja disposta a compactuar com ideias retrógradas, que envolvam sentimentos violentos como os despertados por discursos de machismo, sexismo, homofobia/lesbofobia/transfobia, autoritarismo e qualquer tipo de intolerância às individualidades dxs nossxs estudantes. É preciso reiterar, também, a nossa consciência plena de que NÃO EXISTE heterofobia, professor. A luta social diária que vivenciamos ao desafiar o patriarcado não será atingida pela sua completa falta de bom senso. Sim, professor, não existe esse preconceito inverso. A heterofobia foi um termo criado por um ser humano que não sabe nada a respeito de diversidade de gênero.

Enxergamos o ato de violência cometido pelo “professor” (que deveria ser um agente de transformação social) como uma forma de evidenciação da problemática social de agressão às minorias e de imposição de uma cultura de desrespeito e opressão. Também é notório como o mesmo “professor” tenta reverter a situação e colocar xs ativistxs que o combateram como enquadradxs no seu diagnóstico de “heterófobas” – palavra que ele usa para designar nossxs alunxs –, mas estamos aqui para dizer que isso não passará, professor.

Nós, membros do coletivo e alunos da Universidade Federal Rural de Pernambuco, não aceitaremos que atitudes desumanas como essas voltem a acontecer na nossa casa. Nós estudamos aqui, estagiamos aqui, em alguns momentos da vida vivemos mais nesse ambiente acadêmico do que em qualquer outro lugar que pudéssemos querer. É aqui que criamos nossos vínculos sociais, tanto no âmbito pessoal como no profissional. É aqui o local que escolhemos para construir nossa formação acadêmica, pois acreditamos na capacidade de formação da UFRPE, na capacidade de construção, reconstrução e desconstrução.

Não deixaremos que atitudes como essa voltem a acontecer em nossa Rural. Não deixaremos que mais discentes sejam oprimidxs por pensamentos sexistas, machistas, homofóbicos, transfóbicos, patriarcais etc. Basta!

Agressão física e verbal na UFRPE não passará!
Misoginia não passará!
Lugar de bichas, travestis, trans, lésbicas etc, é na UNIVERSIDADE.
Somos contra o patriarcado e a opressão.
Há uma luta pela frente. Há braços!

Agressão e violência no lançamento do livro sobre heterofobia na UFRPE

1418389489As 19hrs do dia 24/04, ocorreu no auditório da ADUFERPE, o lançamento do livro “Heterofobia: Um risco para o Estado de Direito” do professor vinculado ao Departamento de Pesca, Ademir Ferraz, com distribuição gratuita para os presentes. Tal livro, que insiste em usar o termo HOMOSSEXUALISMO, defende entre outros absurdos, a ideia que as pessoas homossexuais são desequilibradas psicologicamente e que “buscam consciente ou inconscientemente a inversão da ordem estabelecida, carregando o mesmo ódio, que aos homofóbicos é atribuído, com a intenção de provocar um banho de sangue tal qual aconteceu na Alemanha nazista.” Ao saber da atividade, dissidentes sexuais, compareceram no lançamento com a clara intenção de protestar e repudiar a obra em questão.

Ademir inicia as atividades se colocando como isento e imune à qualquer atitude de preconceito e, da mesma forma que Idelber Avelar, justifica esta postura pela possível falta de processos administrativos na universidade que atestem sua postura preconceituosa, opressora e violenta.

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Após 30 minutos escutando os dejetos verbais de Ademir, baseados num entendimento completamente equivocado sobre as teorias psicológicas, sociológicas, antropológicas e médicas, foi iniciado o protesto, expressando como resposta a seguinte frase: DESEQUILIBRADO É VOCÊ! As ativistas tentaram localizar politicamente o discurso de Ademir, que, por sua vez, se referiu ao combate e repúdio incitado pelas mesmas como atestado de desequilíbrio. Ao dizer que o livro representa uma violência à comunidade sexo dissidente uma das ativistas queimou a obra firmando simbolicamente a disposição combativa contra às posturas machistas e autoritárias do professor.

Mesmo diante dos protestos, Ademir insistiu em dar continuidade com seu show de violência e estupidez, fazendo as ativistas se dirigiram a caixa de livros, a fim de resgatar um exemplar para usá-lo como prova material. Neste momento os garçons da empresa Graça Santos Buffet se dirigiram até as ativistas e iniciaram o processo de violência, a mando de Ademir, batendo, ferindo, rasgando as roupas, arrastando pelos cabelos e empurrado-as para fora da ADUFERPE. Os garçons foram imediatamente repreendidos por um diretor da ADUFERPE, porém na discussão travada contra a violência cometida, o professor Ademir ainda tentou agredir fisicamente uma das diretoras da associação de docentes, calúniou as ativistas e visivelmente violento e desequilibrado proferiu ameaças de morte.

Como se sabe Ademir é da coronelista família Ferraz – apesar de também ser persona non grata entre seus parentes por ter um talento ímpar para cultuar desafetos, confusões e brigas – e esta é conhecida da sociedade pernambucana pelos inúmeros casos de violência e assassinatos estampados nas páginas dos jornais locais. A família está atrelada ainda à dominação política coronelista agrícola e comercial em municípios no sertão de Pernambuco e pela brutal cultura de violência e machismo na qual submete seus membros. Também é bem sabido que Ademir profere gratuitamente ameaças de morte e insultos machistas contra as pessoas que ele discorda e é questionado.

Ao expressar sua versão dos fatos nas redes sociais e dizer-se atacado e agredido Ademir revela a perigosa e covarde estratégia da cultura opressora hegemônica  de afirmar o autoritarismo homossexual, recusando-se em reconhecer a própria violência e discriminação. Na realidade este é tanto um mecanismo de defesa do ego quanto um deslocamento/deturpação para garantir o livre exercício de sua violência. No sexismo esta negação é usada para manter e legitimar estruturas violentas de exclusão: “Elxs querem tomar o que é Nosso” “Ditadura Gay” “As mulheres querem dominar os homens”, então as mulheres, bichas, lésbicas, transsexuais, transgêneras e intersexuais tornam-se a imagem que o macho não quer ser relacionado, a de opressor, enquanto as pessoas ligadas a ideia de feminino se transformam em inimigas intrusivas dos padrões corretos e da moral cristã. Em outras palavras, o que fica claro é que a estratégia de perpetuação do machismo consiste em transformar o macho violento cheio de privilégios em vítima compassiva e oprimida e os setores oprimidos em tiranos.”

Este é mais um fato que atesta a extrema hostilidade existente no campus da UFRPE à comunidade sexo dissidente e a postura da instituição em não combater as violências proferidas pelos seus funcionários e por sua estrutura burocrática. Questionamos a ADUFERPE o espaço dado ao professor para lançar um livro com este teor político e mesmo cientes que o argumento da associação dos docentes é no sentido de fazer valer o direito do professor filiado de usar o espaço, indagamos aos diretores da ADUFERPE se o mesmo espaço seria dado para propagar o conceito de nazifobia, antisocialismo e antidemocracia, por exemplo. Estando certas que o consentimento da atividade se dá mesmo diante da posição contrária de vários diretores, alertamos a completa falta de debate a cerca das opressões e estigmatizações que circula a população sexo dissidente, mostrando uma esquerda ainda insensível com as violências e subjugações provenientes de uma estrutura machista.

Este livro, é a resposta de Ademir contra as posturas combativas de vários organismos políticos – entre eles a ADUFERPE – pelas suas expressões homofóbicas nas redes sociais e na universidade. Apesar de publicamente ter se declarado arrependido, na prática a “desculpa de joelhos do professor,” se dá com o lançamento de um livro que desqualifica político-psicologicamente homossexuais. Na ocasião, a reitoria publicou nota oficial afirmando que não concorda com as declarações e que iria tomar as providências cabíveis, garantindo amplo direito de defesa e manifestação a todas as partes.

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Liberdade de expressão não é liberdade de opressão. Discriminação, humilhação, patologização e inferiorização da população sexo dissidente além de representarem a sofisticação do discurso de ódio, são exatamente os princípios que fundamenta todas as violências, agressões e extermínio que lésbicas, travestis, mulheres e bichas estão submetidas pela estrutura patriarcal. É inadmissível e repugnante que uma universidade federal se apresente cúmplice destas violências entendendo a livre expressão de ódio e repulsa contra sexo dissidentes como uma simples opinião. Em tempos de ascensão evangélica no legislativo, entendemos que uma obra como esta – mesmo tão mal escrita e com tantas incoerências acadêmicas – pode servir de base para vários grupos políticos conservadores justificar suas ações violentas e pior ser referência para elaboração de leis que controlem ainda mais a população sexo dissidente, uma vez que a obra argumenta que o Estado de Direito está em risco graças a combatividade anti-heterosexista.

Por fim, gostaríamos de lembrar que a política da Universidade consiste em criminalizar performances artísticas questionadoras dos padrões de gênero e da heterossexualidade compulsória enquanto abriga e faz vista grossa aos funcionários homofóbicos e misóginos, protegendo e não indo contra um docente que escreve um livro pretendendo atestar a inferioridade psíquica das homossexuais combativas do sexismo tão violento contra nossos corpos. Neste momento de ameaça à liberdade das dissidentes sexuais, vemos a importância de convocar todos coletivos e pessoas apoiadoras da dissidência sexual, a organizarmos um grande ato público contra o professor e sua obra e contra a cumplicidade da UFRPE com as violências cometidas pelas pessoas que lá trabalham.

PELA EXONERAÇÃO DE ADEMIR FERRAZ
POR UMA COMBATIVIDADE ATIVA CONTRA A VIOLÊNCIA HETEROSSEXISTA
TODO REPÚDIO À CUMPLICIDADE DA UFRPE COM A VIOLÊNCIA HETEROSSEXISTA

DACS UFPE divulga nota de repúdio contra a UFRPE

Depois da nota de repúdio contra a censura da performance TRANS(torno)ISTO ser entendida como uma declaração de guerra pelo DACS-UFRPE, ativistas da dissidência sexual buscaram apoio de diversos organismos políticos com o objetivo de levantar resistência contra as retaliações da instituição e questionar de maneira construtiva, as posturas e medidas tomadas pelo DACS-UFRPE, que até o momento não entende o veto a performance como censura,  expondo, não só uma problemática a cerca da ideia do termo, mas sobretudo, a incapacidade de perceber que não existe coletivos e pessoas imunes de reproduzir comportamentos e posições autoritárias.

Segue abaixo a nota do Diretório Acadêmico de Ciências Sociais da UFPE:

NOTA DE REPÚDIO CONTRA Á POSTURA DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO E QUESTIONAMENTO AO DIRETÓRIO ACADÊMICO DE CIÊNCIAS SOCIAIS.

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O DACS-UFPE entende a performance TRANS(torno)ISTO, apresentada no dia 19/03 no Centro de Ensino e Graduação – CEGOE, na semana de recepção de calourxs de Ciências Sociais da UFRPE como uma intervenção artística de cunho político. Enquanto Diretório com função de garantir o direito dos estudantes de ciências sociais, não poderíamos deixar de nos posicionarmos contra a criminalização e medidas tomadas durante e após a intervenção.

Vivenciamos diariamente dentro e fora da Universidade a opressão e a censura diante de tudo que não se encaixa no modelo de ideologia normativa, que garante e reforça privilégios de grupos que, por existir, oprimem e excluem. Acreditamos que a Universidade age dentro de um modelo de Instituição controladora do corpo e não entendemos, nem compactuamos, com qualquer tipo de censura e medidas de imposição, como as que ocorreram. Compreendemos que as posturas da Instituição levantam um precedente perigoso devido às tentativas de criminalização da criação artística, como também, no que se relaciona ao modo como este ambiente acadêmico lidará com os questionamentos, comportamentos e produção de conhecimento críticos, contestadores e “não científicos”.

Entendemos também que boa parte das acusações e preconceitos em relação à apresentação existem por conta das cenas de nudez que se apresentam de maneira inconveniente a muitos olhares. Isso ocorre, principalmente, porque a moral hegemônica/dominante na qual somos “socializados” tem como um de seus fundamentos a repressão da expressão corporal aprisionada pela culpa. Uma moral heteronormativa e patriarcal que recrimina a ciência e a arte quando não servem estritamente à burguesia, aos heterossexuais, aos brancos e aos homens-cis.

Somos contra a postura de Instituições, manifestações e atos que reproduzem esta moral vil que serve apenas a esta parte da sociedade. Sentimo-nos responsáveis por combater ações repressoras, preconceituosas e excludentes. Somos a favor do corpo, da singularidade e não apoiaremos nem nos calaremos diante de instituições e atos que reproduzam este tipo de pensamento que não abre espaço ao diálogo. Propomos uma Universidade incentive a crítica, a inventividade, a autonomia e a resistência.

Vemos a discussão e apontamentos suscitados pelo ativismo da dissidência sexual como uma pauta extremamente pertinente, por isto, prestamos apoio e solidariedade as performers envolvidas, bem como solicitamos o cancelamento dos processos e inquéritos policiais e a imediata abertura de um grande debate sobre o fazer artístico e produção de conhecimento. Dentro da Universidade trabalhamos com multiculturalidade e representatividade e, assim como o DACS-UFRPE, também acreditamos que há diversas formas de desconstrução quando se trata do debate acerca de gênero e sexualidade. Dessa maneira, pensamos que a performance TRANS(torno)ISTO é uma forma combativa e direta de possibilitar essa desconstrução e que, por essa razão, não deveria ser vetada nem punida. E o que chamam de “elementos não-convencionais”, chamamos de elementos reais e existentes que são proibidos todos os dias em nossa sociedade.

Nos propomos a participar de um grande debate com o DACS-UFRPE e com os demais envolvidos. Por fim, apoiamos a performance e valoramos positivamente sua combatividade. Além disso, repudiamos o machismo e a transfobia da parte de quem representa a instituição enquanto “seguranças”: acreditamos que estes, sim, devem ser punidos. Machistas, racistas, homo, lesbo, bi e transfóbicos não passarão!

Por uma Universidade que defenda a multiculturalidade e a representatividade de Todxs

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