Fera Livre e Monstruosas lançam livro de Bruna Kury e Mogli Saura

Tendo como mote a celebração festiva que marca a incidência das políticas contrasexuais nos anos 2000, as artistas e ativistas Mogli Saura e Bruna Kury lançam pela Monstruosas e Fera Livre uma publicação conjunta marcada por fechamentos de ciclos e abertura de outros horizontes possíveis.

A obra conta com dois textos, “A pósporonografia como arma contra a maquinaria da colonialidade” de Bruna Kury e Modos artísticos em intersecções ecológicas: eco-monstruosidades pelo fim do mundo humano, entre povos da terra e grupos dissidentes” de Mogli Saura, ambas protagonistas de uma cena contracultural radical anticapitalista iniciada no Rio de Janeiro e que trilhou pelo anarquismo, circo, queer e punk nos contextos de ocupações, atos, intervenções e protestos, fortemente caracterizadas pelo questionamento incisivo à arte e à política institucional e as organizações burocráticas que anulam o protagonismo em função da representação.

Bruna Kury na performance “Gentrificação dos Afetos” Foto: André Medeiros Martins
Mogli Saura e Bruna Kury

Entendendo a performance e a criação estética enquanto máquina (e tática de guerra) Bruna e Mogli vivenciaram juntas ações-direta com o Coletivo Coiote (criado por Bruna) e o Anarcofunk, espalhando um adubo fértil para a emergência das críticas raciais, antisexistas e ecológicas, além de abrir fissuras nas organizações políticas anticapitalistas inteiramente circunscritas pela branquitude, cisgeneridade e heterossexualidade, denunciando suas operações conservadoras e trazendo conflitos inevitáveis ao localizar as impossbilidades de contrução de emancipação sob bases tão coloniais.

Mogli Saura nos bastidores do evento Mulheridades no Centro Cultural Tendal da Lapa. Foto: Warley Noua e Francis Etto

Também Seguiram ativas em diversos movimentos luta, como ocupações de moradia, centros contraculturais e retomadas de territórios ancestrais indígenas e negros, sendo protagonistas da efervecência anarcakuir de seu tempo fomentando práticas, posturas e ideias que se desdobraram em diversas iniciativas dissidentes.

Lançado também como zine pela Monstruosas, “A póspornografia como arma contra a maquinaria da colonialidade” segundo a propria a autora “pode atuar em diversos âmbitos pessoais e coletivos, tanto como manifestação política de ação direta como é o pornoterrorismo, mas também na desfetichização de corpos subalternalizados, trazendo pra roda o prazer e a descolonização das corpas enquanto revolucionário.”

Já a obra de Mogli e sua ecologia-interseccional, faz da encruzilhada seu ponto fundamental, trazendo sua leitura e experimentação ancestral, permacultural, artística e decolonial na maneira como identifica processos ecológicos em manifestações estético-políticas e (anti)artísticas, sendo estas praticadas por existências, anticivilizatórias, gênero dissidentes, étnicas e racializadas, nos contextos de luta por autonomia comunitária e anticapitalismo, entendendo a ecologia como campo de intersecção nesse processo.

O livro ainda marca a primeira publicação dos selos Fera Livre e Monstruosas e conta com o texto de abertura da artista Pêdra Costa, uma das primeiras a trazer as questões queer para o Brasil com seu projeto de funk queer punk ‘Solange, tô aberta!’

O primeiro evento de lançamento da obra, acontecerá na Casa do Povo, a partir de 12h, em São Paulo e contará com a Feira de Arte Travestigenere com exposições de Armr’ore, Auá Mendes, Bruna Kury, Dandara, Duda, Gabú, Fito Sazonal, Gil Porto Pyrata, Jane Alves, Laz Raphaelli, Lu Recicla Alimentos, Macramexias, Marcos Vinicios, Nathê, Rao Freitas, Shukykanraty, Rudá Terraboa e Uarê Erremays, além da exibição do filme Gentrificação dos Afetos de Bruna Kury

SERVIÇO
Lançamento do Livro “Modos artísticos em intersecções ecológicas: eco-monstruosidades pelo fim do mundo humano, entre povos da terra e grupos dissidentes” de Mogli Saura e “A pósporonografia como arma contra a maquinaria da colonialidade” de Bruna Kury, selo Fera Livre e Monstruosas
Casa do Povo – Rua Três Rios, 252, Bom Retiro, São Paulo/SP
20/11/2021
12h

Lançamento Zine Anti Projeto Anarco Fake

O zine do Anti Projeto Anarco Fake conta com o texto “Do punk pro funk, do funk pro fake: Uma história de dissidências e atualizações na cena contracultural e libertária brasileira” e uma entrevista exclusiva que nós fizemos com a artista, papão super sincero que atualiza os questionamentos radicais que infeccionou a normalidade branca e o anarquismo brasileiro na ultima década, além de reflexões importantes a cerca das políticas que circulam a dissidência sexual, o racismo e o capitalismo.

O zine custa 20$ e está sendo distribuído pela Distro Dysca, os pedidos devem ser realizados até o dia 09/08, as postagens se darão via correios (custo da postagem pra compradore) a partir do dia 11/08.

#zineantiprojeto #antiprojetoanarcofake #moglisaura #dopunkaofunkdofunkaofake #menageacoiote #rapdofracasso #monstruosas #distrodysca

“Não devemos poupar críticas ao kuir, ao trans*, ao feminismo, ao anarquismo, ao freeganismo e veganismo, a decolonialidade, enfim… são todas terminologias epistemicídas. São bandeiras que chegam já comprometidas para nós e é importante queimá-las todas juntas em uma fogueira só. Depois disso agente pega as cinzas e mescla com nosso sangue escorrendo, nossa terra saturada, acrescenta água de chuca e envolve em folha de bananeira amarrando bem com o próprio cabelo. Isso servirá de patuá para nos ajudar sempre que precisarmos explicar racionalmente o processo de encontro ancestral que estamos traçando.”

Mogli Saura

Ménage a Coiote, videoclip na Plataforma EHCHO

NO AR
VideoClip: Ménage a Coiote.
Anti-Projeto Anarco Fake com Coletivo Coiote

O videoclipe da homenagem/menáge está disponível na plataforma ECHO:
https://ehcho.org/conteudo/mogli-saura-menage-a-coyote

“Anticivilizar o presente é uma evolução ancestral. ‘Ménage a Coiote’ é mais que uma homenagem. É a atualização de re-existências combativas por meio da memória e da conexão.

O Anti-Projeto Anarco Fake atualiza suas potências e compartilha com suas afins ao cantar histórias e cartografar os rastros que o Coletivo Coiote deixou. Ao evocar a força coiotêra conectamos todo seu aspecto mítico, nômade e criminal à poética banditista que em 1994 modernizou o passado cangaceiro.

Nesse Ménage (que na verdade é um surubão) Mana Joaquina chupa a bucêta da Maria Bonita, Chico Science lambe cu de Lampião e o troca troca troca segue o flow dos nossos tempos, embalado pela coragem degenerada do Anti-Projeto.

Anticivilizar é o mote. Buscar instruções para o fim do mundo-humano enquanto fazemos a travessia para uma nova era de utopias radicais, baseadas no que se tem para o agora. Muites não entenderam, outres jamais entenderão. Foda-se.
Denuncia, Criação, Memória, Afronta, Vida, Morte, Violência, Ruptura e Gozo Dissidente: Ménage a Coiote!

Por Mogli Saura

https://ehcho.org/conteudo/mogli-saura-menage-a-coyote

Nunca esqueçam: O orgulho nasceu da revolta!

28 de Junho foi o dia que eclodiu a Rebelião de Stonewall, uma série de manifestações radicais de pessoas sexodissidentes contra a violência policial no bar Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, Manhattan, em Nova York, num contexto onde o sistema jurídico, médico e político eram consistentemente antilgbt. A revolta que se tornou marco de luta para as questões de sexualidade e gênero dissidentes, tiveram o protagonismo de Marsha P. Johnson e Stormé DeLarverie, autointitulades dragqueen e dragking, além de membres da comunidade negra estadunidensse.

Cremos que a opressão e o controle contemporâneo das sexualidades, além de terem em seu cerne questões racistas também guardam premissas civilizatórias, uma vez que, mesmo muito antes da invenção da heterossexualidade, o prazer sexual e a reprodução humana sempre provocou um fascínio religioso, político e econômico, bem como foi de domínio de uma hegemonia e normatizada por uma elite. Diversas civilizações tiveram o poder de reduzir as infinitas possibilidades sexuais, de afeto e de expressão de gênero, que inclusive existiram e existem ancestralmente, a meros objetos de reprodução para a perpetuação de um clã, de um povo e dos valores de suas elites, em vários casos, sob o esquema da colonização e privatização da terra, através da produção agrícola e da domesticação de animais não humanos, embora não tenha sido um fenômeno universal. A coisa se naturalizou de tal forma que a própria comunidade negra e indígena já justificou a dissidência de sexogênero como coisa de branco e desvio antinatural, assim como os marxistas responsabilizaram o capitalismo por este comportamento social. Hoje em dia já sabemos que diversos animais não humanos, inclusive plantas, fogem as regras e características de masculinidade e feminilidade imposta pelas necessidades das elites das grandes civilizações e também que as culturas de povos nômades atribuíam o que hoje chamamos por transição de gênero e relações homoafetivas, ao âmbito da espiritualidade lhes garantindo poder político por isso.

Marsha P. Johnson (esq) e Sylvia Rivera (dir) fundadoras da STAR, Street Transvestite Action Revolutionaries, iniciativa radical interseccional que também forneceu moradia e apoio a jovens homossexuais sem-teto e profissionais do sexo na Baixa Manhattan. Rivera e Johnson financiaram a organização em grande parte através do trabalho sexual.

Conhecida como sopa de letras a sigla LGBTQIA+ é insuficiente para expressar a necessidade de revolta e combate ao Cistema Heterossexista, que submete a humanidade a um controle supremacista do comportamento sexual e das expressões gênero, além de operar como tecnologia de expansão da supremacia branca. Neste marco que revive uma luta insurgente contra a violência proferida às expressões diversas de ser e existir na perspectiva da sexualidade e do gênero, nós resgatamos este ímpeto para afirmar a dissidência sexual como horizonte político que questiona este regime fundamentado nas genitais e cria o sexo enquanto categoria que define um sistema de valores e práticas. Ao afirmar a Dissidencia Sexual queremos nos referir também a uma posição radical de crítica a outras formas de política sexual inclusivas e colaboradoras desta ficção alienante como a diversidade sexual e a representatividade. Cada vez mais a sigla LGBTQIA+ remete a uma identidade pacífica e tolerante desta estrutura, além de cúmplice do mercado neoliberal, da supremacia branca e do urbanismo desenfreado. Se o Cistema Heterossexista é um regime político disciplinar, que produz e normaliza os corpos e as subjetividades segundo um ideal regulatório invisibilizador de sua própria operação política, alguns corpos que se autoproclamam queer, propagam em voz alta a diversidade sexual ou lutam por representação nas mídias que lucram com o amor romântico, são hoje, infelizmente, quem mais deseja a tolerância com este arranjo para caber na ordem disciplinar cishetero.

Queremos fazer o resgate da sexualidade e expressões de gênero das nossas ancestralidades negras e indígenas, não para romantiza-las e realocá-las no lugar de uma pureza divina, repetindo a mesma estratégia moralista e normalizadora da supremacia branca, mas sim para pensá-la críticamente, atenta as suas contradições e aos seus tabus, entendendo-nos como sobreviventes de nosso tempo, cientes de nossa capacidade de contaminação e destruição, para que a cosmovisão de nossos povos, não seja uma nova bíblia cagadora de regras, mas sim, uma referência que inspire a criação e a organização de nossas políticas hoje, aqui e agora. A vivência trans trouxe um bug nos sistemas de classificação da sexualidade ocidental, já que tanto a homo quanto a heterossexualdiade está esquematizada a partir dos genitais. A mudança dos padrões de gênero tem insistido em adaptar-se a essa conceituação colonial e cissexista, apagando o que de mais belo existe nesta implosão: a falta de sentido prático e material das conceituações pros corpos que não atendem a norma.

Banca do artista Caetano Costa na Feira Autonoma Sexodissidente, em Recife – PE

A dissidência sexual que defendemos entende que este cistema é fruto da supremacia branca, organiza uma economia baseada na servidão e ameaça animais não humanos e o meio ambiente diante da expansão supremacista da espécie. Não lutamos pela assimilação da nossa população no Cistema Hetero, advogando pelo direito ao casamento (embora seja estratégico nas questões de imigração), inserção nas empresas e aceitação na polícia ou exército, aliás, não há nada mais bizarro, racista e apagador da revolta de Stonewall do que celebrar militares e policiais lgbts. Abominamos o nicho de mercado feito para homogenizar e regular nossa pluralidade e rogamos para que as religiões supremacistas brancas, responsáveis diretas pelo nosso extermínio, afundem no próprio inferno que criaram nos vendo gozar ao transformar seus símbolos sagrados em brinquedos do nosso prazer e em lenha para o fogo da nossa paixão escatológica. Queremos construir a liberdade para as relações afetivas e de cuidado entendendo que ser livre não é optar pelo padrão hegemônico dentre outras opções, mas sim construir a política envolve nossas vidas.

Meu look é de recicle, detona fashionweek é o bonde dreadlock apavorando as bichas chiques

Mogli Saura

Propagamos uma noção de dissidência sexual radicalmente antiqueer, mesmo reconhecendo a sua importância na crítica que desenvolvemos, mas atentes que este termo chega no terceiro mundo a partir da academia e foi usado por lgbts brancas, ricas e hypes como arma para colonizar, subjugar e apropriar a vivência de monstres negres, periferiques e marginais. Queer não faz sentido no terceiro mundo, nem na favela, afinal aqui já existe uma monstruosidade assustadora da normalidade cisheterobranca.

Para mí, lo queer como apuesta política radical ya dejó de tener sentido desde el momento en que su identidad que era difusa e inidentificable fuera ya coaptada y vendible como queer, kuir, cuir o como sea

Constanzx Alvarez Castillo

Como gates, cachorres, onçes e lobes exercite a autofelação e lamba todo os corpos de quem você ama, entenda que chupar é um ato dissidente de cumprimento, por isso cremos que podemos usar a pornografia como uma arma para vomitar no mundo nossas experiências dissidentes e nossas criações que esquarteja a moral hipocríta e violenta que os nossos assassinos defendem. Somos radicalmente contra a concepção de família da supremacia branca: nuclear, monogâmica e geneticamente narcisita. Nossa fertilidade não é desperdiçada cagando cabeças mas florescendo novos modos de afeto e cuidado, resgatando corpos abandonados, orfãos e vulneravéis de abrigos. Na nossa manada circulam fedorentes, gordes e sujes, que transforma o nojo da hegemonia na nossa potência máxima. Acreditamos que nossa solidão se encerra quando começarmos a olhar pra nossa própria comunidade como digna de nossa sexoafetividade e nossa confiança, chorar pelo homem cis branco hetero ou pela sinházinha patrícia dondoca que não te quer, só revela seu autoódio e sua incapacidade de você mesma amar alguém como você. Os padrões hegemonicos que esfregam a mediocridade em nossos fucinhos e projetam nossa solidão merecem nosso profundo ódio, nada mais que isso.

Por menos orgulho pacificador e por mais revolta monstruosa

Violência racista e cisheterossexista fecha Espaço Cultural das Marias na periferia do Recife

Faixada do Espaço Cultural das Marias, no Ibura, Recife-PE

O Espaço Cultural das Marias no bairro do Ibura, em Recife, foi interditado pelo poder público porque estava sem alvará de funcionamento. Pra quem não sabe o espaço é um Quilombo Urbano de iniciativa de três mulheres negras de terreiro que apoia e incentiva manifestações afro-brasileiras como coco, afoxé, samba e maracatu

A vizinhança hostiliza o espaço por ser frequentado por sapatonas, frangos e travas, pelas gestoras serem lésbicas, bissexuais e pelo local acolher eventos de protagonismo lgbtq+. o bar ainda sofre acusação de ser um antro de usuários de drogas apenas por ser um espaço de sociabilidade e acolhimento da juventude dissidente periférica.

Este rechaço e preconceito é movido por três vizinhos que agem para expulsá-las da rua alegando que existe consumo e a venda de drogas, brigas e orgias, ameaçando levar as meninas que gestionam o espaço e o dono do imóvel ao ministério público.

Se por um lado o Estado age de forma racista impondo uma regularização higienista e elitista, através da obtenção de um alvará para quem está, de forma autônoma, tentando sobreviver como herdeiras de um passado que excluiu os direitos básicos de moradia, acesso a terra e alimentação da população negra, este caso revela que quando as vítimas não colaboram com o cistema heterossexista, a população sexodissidente é jogada a uma total situação de precariedade econômica, vulnerabilidade social e impedida de se expressar culturalmente. Quando falamos de cisheterossexualidade enquanto regime político é porque entendemos, entre outras coisas, que o campo do trabalho privilegia pessoas alinhadas com a cisgeneridade e heteronorma, ou seja, o “proletariado”, como um sujeito revolucionário, marginaliza quem não se encaixa no modelo de trabalhador cisheterossexual.

Desta forma, a Monstruosas tenta mobilizar sua rede de solidariedade para apoiar e fortalecer estas manas negras que vivenciam a dissidência sexual e são retaliadas pela hegemonia racista e cisheterossexista. Para além da crise, está é uma ação que exige uma redistribuição financeira como forma de trazer, dignidade, autonomia e proteção para pessoas negras que estão experimentando e vivendo além dos gêneros e da sexualidade que lhe são atribuídas. O apoio pode ser feito através de deposito na Caixa Econômica Federal em nome de Jéssica Priscilla Torres Lopes Ag: 0047 / Op: 013 / Conta Popupança: 91985-1 / Cpf: 098.222.644-61 ou através desta vakinha. Abaixo o apelo das meninas em suas próprias palavras.

queria ser o mais cética possível, mas é bem difícil numa situação dessa.

então, em conjunto, decidimos que o melhor a se fazer agora é fechar o espaço. essa semana entramos num acordo com o dono do ponto e decidimos que daríamos uma parte do aluguel essa semana e a outra parte até semana que vem. mas entendemos que a vizinhança está realmente com o propósito de nos tirar de lá e que qualquer documento que a gente faça pra continuar trabalhando não vai ser o suficiente, então não ta valendo a pena o desgaste psicológico, físico e financeiro por um lugar onde não nos querem lá. um lugar racista, lgbtfóbico e machista. além disso, todos os trâmites sairia muito caro e já temos muita demanda, muitas coisas pra pagar. na quarta fizemos o “dia das namoradas, nas marias” lá no casarão (conseguimos por uma junção de gente muito foda que se organizou pra nos ajudar e fazer com que esse nosso rolê desse certo. uma delas foi o gabinete das deputadas das juntas e mais algumas pessoas individuais incríveis também) e o dinheiro que conseguimos lá, pagamos o ponto, exatos $500 reais (pra segurar e pagar o outro pedaço na semana que vem). mas ainda falta o depósito onde pegamos as nossas bebidas que tá no valor de $1.400 reais (por conta dessas duas semanas que não podemos trabalhar), mais nossa casa de $450 reais, mais uma dívida no total de $1500 reais, aproximadamente, de coisas que compramos para a melhoria do espaço e que precisamos pagar a galera. a questão é que precisamos pagar a essa galera e recomeçar tudo.

temos consciência de que fizemos tudo muito certinho e que aquele espaço era nosso. um espaço de pretas e pretos. um espaço LGBT. um espaço da nossa família. mas é muito difícil resistir quando se existem pessoas extremamente racistas e lgbtfóbicos que são extremamente “fortes” pra sociedade a ponto de inventar mentiras pra autoridades e conseguir o que querem.

acreditamos que conseguimos mostrar pra todos nossa pretensão. não era um bar, mas um espaço cultural de mulheres pretas, mães, lgbts e candomblecistas que estavam de braços abertos pra acolher quem são os nossos, pra levar nossa cultura pra comunidade, pra movimentar os comércios já existentes e ajudar na criação de outros, de divulgar os artistas do nosso ibura, de acolher, ajudar, trocar e trazer junto com vocês o que é nosso pra nós. a gente sabe que chegamos muito perto disso com a revolta de algumas pessoas.

o intuito da gente, hoje, é conseguir esse dinheiro pra pagar tudo e tirar o resto pra alugar uma casinha maior e montar um espetinho.

a gente realmente precisa de vocês. com doações, com abraços, com a troca.

então falem com a gente, vamos pensar em algo juntxs pra que a gente consiga nos encontrar o mais rápido possível num lugar que realmente seja nosso. mais fortes.

Convocatória de trabalhos para 2ª Edição do Festival Kuceta prorrogadas até 15 de Setembro


Convocamos a todas as corpas que desejem desconstruir e mover os desejos dissidentes! Corpas transfronteiriças que quebram a hegemonia inventando novas noções de prazeres sexuais, por meio de produções pós pornográficas.

Nos opomos à pornografia comercial que reafirma opressões de gênero, padrões sócio-culturais e hierarquias do sistema cis-hetero-capitalista.

Convocamos as corpas gordas, racializadas, generificadas, transvestigeneres e não bináries, com diversidade funcional e/ou intelectual e todas as corpas que fujam das normatizações dessa cultura branca e higienista que segue a lógica da colonização compulsória. Para que, desde as dissidências sexuais, rechacemos esse papel de sub colonizades e domme colonizadores. Porque já não nos serve mais, porque não seremos os corpos abjetos deles. Seremos as nossas corpas desejantes e insubmissas, reativas e repulsivas, subversivas, asquerosas e orgásticas, redistribuindo e retomando o que é nosso. Propomos também refletir sobre assistência sexual como uma questão de saúde, prostituição como uma possibilidade profissional (quando não compulsória), BDSM como práticas subversivas passíveis de problematização e todas as outras formas de trabalho sexual, que deve ser exercido de maneira segura para todxs que o praticam.

Pensamos em reparação histórica, onde corpas subalternizadas agora falam por si, queremos destruir o heterocapitalismo, e começamos por afetuosidades revolucionárias; se você também é marginalizade e quer fazer parte desse encontro, envie-nos suas produções! DIY! A revolução será transfeminista ou não será.

KUCETA PÓSPORNOGRAFIAS é projeto independente e não remunerado

ENVIO DE PROPOSTAS

Pedimos que nos esclareçam algumas informações da sua proposta para que a gente possa entender melhor, buscando montar uma programação consistente e potente politicamente.

Enviar sua(s) proposta(s) com as informações descritas abaixo, em formato .PDF ou .DOC para o e-mail kucetaposporno@gmail.com ATÉ O DIA 15 DE SETEMBRO DE 2018, AS 23H59 (fuso São Paulo). Estão sendo aceitas até 3 propostas por pessoa. A seleção será divulgada através de e-mail para pessoa selecionada. (no caso de obras físicas a entrega será coordenada com cada artista)

PARA TODAS AS PROPOSTAS

  • Nome dx artista ou coletiva com pequena descrição de sua produção/intenção/ativismo (não mais que 5 linhas)
  • Declaração dx inscritx para que possamos usar a mesma programação em futuras edições do mesmo festival: “Eu, XXX, documento, autorizo a equipe de Kuceta (pós-pornografias) a expor minha obra em futuras edições do mesmo”

VISUAIS

Compreende-se como visual, produções impressas ou digitais, tais como: fotografias, gifs, ilustrações, objetos, esculturas, etc

  • Descrição do projeto
  • Arquivos digitais ou fotos das obras propostas
  • Ficha técnica da obra: título, autor (s), tamanho, linguagem, país, ano, materiais.
  • No caso de propostas de obras físicas pedimos que nos indique onde está a obra, e que nos sugira como poderíamos coordenar para recebê-la(s).

AUDIOVISUAIS

  • Serão aceitos os seguintes gêneros audiovisuais:
    POSPORNOGRAFIAS | de até 20min
    AMATEUR | de até 15min
    VIDEO-PERFORMANCE | de até 10min
  • Sinopse (até 10 linhas)
  • Ficha técnica da obra: título, autorx(s), gênero, idioma, país, ano, duração, outra membro da equipe técnica.
  • Fotograma do vídeo (para divulgação)

BANKINHA KUCETA (FEIRA DA PUTARIA POLÍTICA)

Chamamos a todxs que queiram montar bancas para vender produtos autogestivos. fanzines, objetos, desenhos, stickers, dildos, lubrificantes,roupas e acessórios que dialoguem com o tema, comidas veganas, flash tatoo, etc.

  • Descrição da proposta [sobre o trabalho que você(s) faz(em)]
  • Se quiser adicione algumas fotos para a gente matar a curiosidade
  • Dizer se pretende estar vendendo durante os dois dias do festival ou,caso não seja de São Paulo, como nos enviaria seus produtos e se poderá ter ume representante com a gente.

 

CASO O MATERIAL ESTEJA EM OUTRO IDIOMA QUE NÃO ESPANHOL OU PORTUGUÊS, SERÁ ACEITO DESDE QUE TENHA LEGENDA EM ALGUM DESSES IDIOMAS.

NÃO SERÃO ACEITAS PROPOSTAS EM OUTROS FORMATOS,

NEM PROPOSTAS ENVIADAS DEPOIS DO DIA 15 DE SETEMBRO DE 2018

MAIS INFORMAÇÕES:
Edital Oficial em PDF
Página do evento no facebook

Convocatórias Mexicanas


Estão abertas três grandes convocatórias desde o território tomado pelo Estado mexicano, para produções que questionem à supremacia patriarcal e sejam armas de combate contra suas tecnologias de controle e normatização. Por se tratar de chamadas internacionais os trabalhos devem ser enviados em espanhol ou com legenda, porém em caso de impossibilidade de tradução, recomendamos que entrem em contato com a organização de cada iniciativa, relatando as dificuldades e alinhando os ajustes necessários da convocatória. Para acesso as convocatórias completas e em língua original entrar nos respectivos links

HYSTERIA REVISTA


A Revista Hysteria convoca cyborgs, bruxas, yalorixas, xamãs indígenas e curandeiras para compartilhar seus feitiços, ervas, remédios e mandingas com objetivo de gerar um arsenal de descolonização visceral. Kits de saúde para (des)arma, exorcismos corporais, jogos interativo-performáticos, tecnologia localizada, feitiçaria tecnocientífica, invocações da memória para explorar experiências coletivas e pessoais, projetos e técnicas de baixo custo, recuperação de histórias e imagens como lugares de interferência. Os trabalhos poderão ser escritos e visuais e devem ser enviados para hysteriarevista@gmail.com, com o assunto BioDIVA até o domingo, 26 de Agosto de 2018. A convocatória é referente ao lançamento da edição número 27 da revista e especialmente nesta edição a equipe faz um chamado para o envio de ilustrações de “curandeiras”, como um exercício para despatiarcalizar e descolonizar coletivamente a história da medicina e fazer um resgate de bruxas, experimentalistas, curandeiras, promotores da saúde e etc.

Escritos

Ficções / Anotações / Comentários / Divulgação / Entrevista / Ensaio

  • Ficções (conto, poesia, mini-ficção): De meia a três páginas.
  • Anotações (experiências pessoais): Uma a duas páginas.
  • Comentários (filmes, livros, pornografia, brinquedos, música, quadrinhos): Uma página no máximo. – Inclua qualificação (pergunte por e-mail).
  • Ensaio: Duas a cinco páginas.
  • Entrevista: Duas a cinco páginas.
  • Divulgação: Duas a três páginas.Tudo deve ser entregue em Times New Roman, 12 pt, espaçamento 1,5.

    Incluir breve esboço biográfico e fotografia de autorx, link para a página pessoal. Serão aceitos escritos originais que foram previamente publicados, ou não, desde que os direitos de reprodução da obra sejam conservados.

Artes visuais

Galeria X / Arte / Acções / Histórias em quadrinhos / Gráficos / Vídeo / Apresentações

  • Fotografia (fotografia artística, ensaio, reportagem) .- Série de 6 a 15 imagens, 72 dpi, lado maior 1600 px.
  • Galeria X.- Carteiras fotográficas despidas. Todos os corpos de todos os gêneros, tamanhos, formas e cores são bem-vindos.
  • Gráfico (Desenho, gravura, gráfico digital, desenho animado): Série de 4 a 10 imagens a 72 dpi, lado maior 1600 px.
  • Propostas artísticas: Apresentação de projetos artísticos que aderem ao tema da edição e da linha editorial.
  • Vídeo (Entrevista, videoclipe, mini-documentário, mini-report, curta metragem): Envie o link do vídeo enviado no Youtube, Vimeo ou sites similares. Não deve exceder 10 minutos, com música original ou livre de direitos autorais.
  • Ações (Performance, Intervenção, Arte-ação): Realização de intervenções para o tema da edição. Enviar síntese e imagens ou vídeo de documentação.

    Como todas as participações, enviar dados técnicos do trabalho, breve esboço biográfico do autorx (5 linhas no máximo), uma foto e link para a página pessoal.

Ilustação de curandeirxs

  • Aqui, aqui e aqui, há referências para inspirar você, e também é possível retratar curandeirxs de sua comunidade ou outras inspirações.
  • Imagens em formato retangular de 20 x 30 cm a 300 dpi
  • Usando qualquer técnica de ilustração (desenho de mão, computador, colagem, bordado, etc). Eles podem ser coloridos ou em preto e branco, apenas tenha em mente que ‘eles podem ser lidos em um formato de tamanho de cartão de 6,5 x 9,5cm.

    Todos os retratos devem ser acompanhados de um registro biográfico da pessoa retratada em formato .doc.

AN*RMAL FESTIVAL


Anormais do Mundo,

Anormal é um festival internacional de pós-pornografia, feminismos e sexualidades dissidentes e está buscando materiais em vídeo para sua 2ª edição na Cidade do México. Entendemos a pós-pornografia como qualquer expressão que reflete e representa sexualidades subversivas e sexo explícito não normativo. Geralmente essas produções vêm de feminismos, políticas cuir, kuir e queer, ou de pessoas inquietas e dissidentes que encontram na pornografia convencional reconhecimento de seus corpos, práticas e expressões sexuais.  Convidamos você a participar com os suas produções porno-políticas monstruosas, ferozes, cyborgues-mutantes-biomachines aliens, furry, splatter-punk e todas as cosmovisões que saem do caos dos nossos orificios umidecidos e compartilhar seu trabalho / desejo / registro anormal, para ser exibido no México, durante o 2º Festival Anormal, que será realizado em novembro 2018. Os vídeos devem ser enviados para o email anormalfestival@gmail.com até domingo, 9 de setembro de 2018.

  • Para a nossa segunda edição, procuramos materiais em formato de vídeo com um recorte NÃO BRANCO/ NÃO HUMANO.
  • Os vídeos devem ser enviados através do seu FTP ou de uma plataforma virtual (wetransfer, yousendit, rapidshare, dropbox, ou o que você quiser) em um formato apropriado para sua projeção, e que não exceda 1GB de peso.
  • Os trabalhos devem ter uma duração máxima de 14 minutos e 59 segundos e pode pertencer a qualquer gênero audiovisual (vídeo, curta-metragem, documentário, experimental, animação, entrevista, documentação de desempenho ou de acção directa, etc.)
  • Se a língua original não for em espanhol, recomendamos fortemente que você inclua, em caso de impossibilidade envie um documento de texto com a transcrição dos diálogos (em espanhol, Português ou Inglês).

MANADA DE JOTAS


Convocatória de textos e grafias: “Alegria e raiva maricona: práticas subversivas na América Latina e no Caribe”.

Joterismo: Feminismos Jotos e Analquismo e Manada de Jotas, faz um chamado para submissão de trabalhos, com fins de publicação digital sobre políticas, ativismo, dissidência, instituições e subversões desde uma perspectiva afeminada na América Latina e Caribe. O livro não é um trabalho acadêmico, mas é uma proposta que pretende transmitir experiências pessoais e coletivas que estão localizadas dentro pensamento pintosa. O objetivo é gerar uma compilação e memória textuais e gráficas, individual ou coletiva, que narrem experiências situadas em políticas, pensamentos, ativismo, lutas, anarquismo, feminismo, antirracismos e dissidência, a partir de uma vivência bicha, viada, marica, louca, nos contextos da América Latina e Caribe. O material deve ser enviado para o e-mail manadadejotas@gmail.com até a sexta-feira, 28 de setembro de 2018 às 23:00 horas, horário da Cidade do México.

  • História bicha / boneca / maricona / afeminada em nosso território. Primeira pessoa, narrativas, crônica e entrevistas relacionadas a vida e luta bicha dos anos anteriores.
  • Feminismos jotos, analquismo e dissidência. Políticas, práticas, teoria e epistemologia bichas.
  • Link com outras lutas, bichas da América Latina e Caribe com lutas dos povos indígenas, migrações, assexualidades, feminismos, o movimento trans, antispeciesista, lutas anti-racistas anticoloniais, movimentos estudantis, trabalhadorxs, etc.
  • Resistência Experiências de autodefesa, autogestão, espaços de contenção, estratégias de acompanhamento e organização contra a violência.
  • Impossibilidades Sobre as dificuldades que temos de construir organização quando estamos atravesadxs por contextos de extrema violência entre narco e necropoliticas.
  • Ficção e imaginação. História, poesia e filosofia: utopias e exercícios de imaginação sobre a natureza dissidente das bichas.
  • Entre cores e tintas: artes, desenho, colagem, em torno de dissidências de mariconas.

    As artes devem ser enviadas em formato JPG com resolução de 300 DPI. Tamanho livre, mínimo 20 cm para o seu lado mais comprido e os textos em Word, com uma extensão de 5 a 14 páginas, em fonte Times New Roman, número 12, espaçamento entre linhas de 1,5. Os documentos devem conter título e autoria, com uma breve apresentação e país de origem da pessoa que assina o trabalho em até 5 linhas. 

    Serão recebidos textos e artes originais, com autoria registrada e que não tenham sido previamente publicados.Textos e artes devem pertencer a bichas, maricas, afeminadas, rapazes bissexuais, homens trans gays, transmaricas, bichas não binárias ou organismos que sentem que se encaixam na viadagem/práticas mariconas e são latinoamericanxs ou caribeñxs (e os que vivem em outros países ou são imigrantes).

    Todos os textos e artes serão revisados por uma comissão constituída por Joterismo: Feminismos Jotos e Analquismo e Manada de Jotas, que vai escolher os textos que integram o livro. A recepção de todos os trabalhos será confirmada e informada se são aceitos ou não. Para mais informações, entre em contato manadadejotas@gmail.com

Sob Butler: Cruzando a Distopia Brasileira

Jota Mombaça
Trad.: Natalia Affonso

10 de Novembro: Judith Butler é assediada no aeroporto de Congonhas por um grupo de brasileiros conservadores, após uma semana de controvérsias por causa da sua participação no seminário “Os Fins da Democracia”, promovido pelo SESC Pompeia em São Paulo. Até antes da chegada de Butler no país, os conservadores já tinham começado a lutar contra a presença dela no país. Uma petição pública foi lançada e houve uma ampla campanha nas redes sociais contra a suposta contribuição da filósofa para a difusão da tão falada ideologia-de-gênero-que-está-arruinando-a-juventude-nacional como uma praga dentro das escolas e universidades.

De repente, a teoria queer deixa os corredores acadêmicos de onde surgiu para o centro de um debate acalorado travado na arena da já turbulenta esfera pública do país. As imagens de bruxas sendo queimadas pelas mãos de cristãos fundamentalistas, assim como os posters ofensivos acusando os textos de Butler de incitação à “pedofilia” e ao “anti-semitismo”, nos oferecem um registro visual da vocação surrealista das interpretações conservadoras quanto ao cenário atual do Brasil e do mundo. Sem nenhuma conexão com uma epistemologia realista, o cerne dessa narrativa é o pânico moral em relação à ameaça apresentada pelo crescimento de movimentos como o LGBTQIA e o transfeminismo Interseccional ao mundo que eles estão tentando preservar – mundo governado pelo binarismo de gênero, pela família heterosexual, e pela ficção do grande guerreiro nacional.

Protesto contra a aparição de Judith Butler na conferência “Os Fins da Democracia”, em São Paulo. O cartaz traz a filósofa como destruidora da identidade sexual dos filhos da hegemonia branca heterossexual

Junto com o episódio de Butler, o fechamento da “Queermuseu” (uma exposição comissionada pelo Santander Cultural, uma proeminente instituição de arte financiada pelo banco de mesmo nome), a perseguição pública do artista Wagner Schwartz por causa de sua performance La Béte (na qual seu corpo nu é instalado como uma plataforma interativa para o público), assim como a interdição legal da peça teatral de Renata de Carvalho, O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu (baseada no roteiro original de Jo Clifford, no qual Jesus é performado como e por uma mulher trans), se tornaram simultaneamente os alvos mais visíveis dos ativistas de direita — agrupados em torno de um novo movimento alimentado por ideais antigos, o MBL — e seus aparatos institucionais (o governo em si), assim como os bastiões mais visíveis da resistência de esquerda contra a censura.

Protesto em Nova Iorque organizado por Cibele Vieira, intitulado NY Loves Queermuseu, projetou algumas das 250 obras da exposição nas fachadas do New Museum, Whitney Museum of American Art e do Bushwick Museum.

Apesar da luta contra a onda de censura moralista ser importante, por demonstrar como esses episódios de perseguição pública de artistas e intelectuais críticos estão atrelados a dispositivos de silenciamento e exclusão muito mais complexos, também é importante considerar, durante esse processo, a maneira como a própria cartografia da dissidência que está em jogo foi desenhada de acordo com os limites discursivos impostos pelos gestos conservadores de censura: as pessoas são levadas a acreditar que a arte está em risco, quando o risco artístico nada mais é do que a continuidade do próprio risco de vida daqueles corpos representados pelos inquisidores da direita como perigosos para o projeto nacional. Além disso, o espetáculo da censura pode facilmente fazer alguém acreditar que esse risco nunca antes esteve presente na história da democracia brasileira, como se a luta irrefreável de sujeitos negros, queer, trans, e femininos para apenas viver com dignidade não fosse um indicador da onipresença da supremacia branca, do fundamentalismo cisgênero, e da heteronormatividade, até mesmo durante os anos mais “progressistas” da democracia brasileira.

Por causa do apelo à imagem sagrada dos filhos-da-nação-que-devem-ser-protegidos, a cruzada pública dos conservadores de direita contra formas de expressão queer e feministas identifica as representações do corpo nu e as performances sociais não-normativas em termos de gênero e sexualidade como símbolo do espírito anti-nacionalista que está supostamente levando o país à ruína. O paradoxo é que essa narrativa apocalíptica simultaneamente esconde e reproduz a materialidade apocalíptica da política brasileira: enquanto no dia a dia, assim como nas dinâmicas das macro-estruturas, corpos não-normativos são aqueles que encontram de maneira mais escancarada a violência do cativeiro e da morte, as narrativas de direita afirmam que o que está sendo ameaçado atualmente é o direito do sujeito branco, heterossexual, e cisgênero de viver livremente às custas dos seus “outros”. Isto é, o medo dos guerreiros da moral quanto à possibilidade do mundo deles desmanchar perante o crescimento dos projetos políticos negros, queer, e feministas está profundamente ligado à reprodução social dos efeitos brutais deflagrados pelas estruturas correntes de poder contra a desobediência de gênero e as dissidências sexuais, especialmente aquelas situadas na interseção da pobreza e da discriminação racial.

Convite para o lançamento do livro: “Discriminação do gênero-homem no Brasil, em face à Lei Maria da Penha, na Livraria Praça de Casa Forte em Recife-PE. O evento, que não foi realizado no TJPE por questões de agenda, foi cancelado por pressão dos movimentos sociais que redigiram um documento onde acusam o livro de trazer, em seu título, o esvaziamento da Lei Maria da Penha e cumplicidade do judiciário com o feminicídio.

Diante de eventos como esse, pode-se dizer que a demanda emancipatória do momento é parar a marcha dessas projeções totalitaristas de ficção científica retrô, bloqueando seu caminho. O problema dessa formulação é que ela restringe o campo de batalhas ao território demarcado pelas cercas erguidas pelas cenas de sujeição dos conservadores de direita — ou, colocando de outra maneira: na tentativa de freá-los, as pessoas podem ficar presas nas ficções deles, respondendo perguntas que não podem ser respondidas senão nos termos deles e dentro do quadro de referências por eles imposto. Talvez o necessário aqui seja, em realidade, ser capaz de distinguir o que não pode ser silenciado pela perseguição hiper-moralista dos guerreiros da moral conservadora, e a continuação dos projetos inacabados de liberação negra, queer, trans, e feminista, para além do escopo totalitário.

Afinal de contas, o dilema distópico impulsionado pela intensa atividade dessas forças, pelo menos dentro do contexto brasileiro, foi antecipado até mesmo antes e por baixo da censura recente de obras de arte, exibições e seminários abertos ao público. Estava operante até mesmo antes e por baixo do que aconteceu com Judith Butler em São Paulo. Da perspectiva das pessoas as quais as expressões de gênero, desejo, sexualidade e corporalidade tem sido alvo dos códigos violentos da sociedade brasileira desde a sua formulação como democracia (e até mesmo antes e por baixo), os guerreiros distópicos dessa utopia militar sempre estiveram marchando. Nós — e aqui falo como uma bixa racializada não-binária nascida e criada no nordeste do Brasil durante o período pós-ditadura — vimos eles vindo. Ainda sim, ao invés de lutarmos sozinhas de nossas posições isoladas, escolhemos nos nutrir para não deixar que o crescimento deles nos parasse.

E nós precisamos continuar fazendo isso. Nós precisamos continuar imaginando. Precisamos continuar desbravando rotas de fuga no mapa sitiado da distopia brasileira; estudando como habitá-lo como encruzilhada e não como ponto de paragem — desviando, tumultuando, movimentando, como temos feito. Nós precisamos desarmar a guerra deles contra nossa imaginação radical para podermos sonhar com mundos que ainda não foram inventados, mesmo que toda semana os tornados reacionários do totalitarismo nos levem a defender coisas que nós já havíamos tomado por garantidas. Mesmo que eles nos forcem a defender o óbvio mil vezes, nós precisamos superar sua determinação, sonhando até mais além — acima, por trás, por dentro, contra e em volta do seu mundo de contenção. Nós precisamos incorporar, como intensidade e como matéria, o feitiço que nos permitirá falar em duas ou mais línguas ao mesmo tempo: uma que confronta a mordaça imposta pelos guerreiros da moral conservadora; e outra que nos leva para além do que eles haviam planejado para nós .

Não podemos deixar que eles nos parem agora.

(E não vamos!)

Este texto foi comissionado por e-flux conversations, e originalmente publicado em inglês no dia 18-12-2017. A tradução foi feita de forma independente e cedida pela autora ao blogue Monstruosas.

Homens cisheterossexuais armas de destruição em massa, excluídas da MoNSTRuoSaS

A Monstruosas é uma iniciativa de combatividade, resistência, criação e agitação política em perspectiva antiheterossexista, anticissexista, anticolonial e interseccional, voltada para o encontro e fortalecimento das sexualidades e gêneros dissidentes.

A construção das masculinidades tóxicas e hegemônicas, perpassa, para nós, a virilidade, a falocracia, a intransigência e a insensibilidade. Isto precisa, além de ser questionado, hostilizado e confrontado, porque são nestes aspectos que se baseiam a deslegitimação dos comportamentos desviantes, das subjetividades, além das violências sexuais e de gênero que bichas, homens trans e não homens sofrem cotidianamente. Sendo assim, este evento é voltado para todes aqueles que não se sentem confortáveis com a imposição da masculinidade cisgênera e heterossexual (corpos víris, agressivos e não violáveis; penetradores universais e castrados de próstata), já que esta ocupa um local de proteção e privilégio exclusivo e supremacista. Ser hostil a homens cisheterossexuais, não significa deslegitimar as masculinidades trans e gay, pelo contrário, é entendê-las como um ponto de criticidade no que diz respeito a ser homem e como ameaça a soberania viril, representando o fracasso do controle biopolítico dos corpos.

Caso Dandara: homens cisheterossexuais espacancaram a travesti até a morte no Ceará

Entendendo que toda experiência é única e que os grupos identitários não são homogêneos, sabemos que ao hostilizar a presença de homens cisheteros estamos tornado o espaço convidativo para certos grupos ao passo que excluímos outros. Porém, nos afastamos da concepção de luta individualista e liberal, comum na militância e/ou ativismo LGBT, pensando a questão de gênero e as sexualidades para além da perspectiva de afirmação das identidades. Desta forma, um evento anticissexista voltado para sexualidades e gêneros dissidentes não é capaz e nem tem interesse em contemplar todas as vivências a partir somente da congruência sob os locais de fala, já que muitas vezes eles são conflitivos entre si. Assim, não temos outra escolha se não priorizar algumas experiências em detrimento de outras a partir de uma ética política anti-hegemônica.

As pessoas que protagonizam e colaboram com o evento incluí mulheres trans e cis, sapatões, bixas, homens cis não heteros, homens trans, não bináries e outras performances de gênero monstruosas, que consideram que seus comportamentos expressos de maneira mais livre e a exposição de seus corpos, seja no audiovisual ou nas performances, possam ser objetificados, heterossexalizados e violados, caso o evento torne-se permissivo com a presença de homens cisheteros. Isto é, enfatizamos a não pertinência de homens cis héteros em nosso evento mesmo acreditando nas falhas de ajustamentos e nas contradições entre nós dissidentes, uma vez que estas devem ser repensadas de forma a não ofuscar, nem confortar as categorias políticas privilegiadas ou ainda trazer imunidade aos corpos historicamente constituídos a partir da intolerância, rigidez e abusos.

Espaços livres de identidades hegemônicas não implica necessariamente em um espaço seguro para as construções desviantes, pois nenhuma identidade está completamente imune para violar corpos produzidos como outros, uma vez que as opressões se entrecruzam e que os conflitos estão presentes em qualquer agrupamento animal.

Como ação política antihumanista, este evento repudia o heterossexismo e seu cistema antropocêntrico, enquanto regime político e visa a emergência e a propagação de manifestações corporais em desacordo com a normalidade. Por isso, entendemos que homens gays e trans, mulheres e lésbicas que se apropriam da virilidade, do falocentrismo e da performatividade cisheterossexual correm o risco de assimilar comportamentos opressores e extremamente violentos às dissidências, mesmo sendo violentadas em suas expressões de gênero e sua vivência sexual. Consideramos tóxicas essas atitudes opressivas, ainda que vinda de grupos dissidentes, esses comportamentos também não são bem-vindos.

Nesta direção convidamos todas as dissidentes para uma movimentação política que utiliza a arte como ferramenta de contestação às culturas normativas de sexualidade, gênero e resistência, em perspectiva anarquista, abordando vozes periféricas às indústrias da arte e do audiovisual e reunindo produções independentes do Brasil e América Latina.

Agressão e violência no lançamento do livro sobre heterofobia na UFRPE

1418389489As 19hrs do dia 24/04, ocorreu no auditório da ADUFERPE, o lançamento do livro “Heterofobia: Um risco para o Estado de Direito” do professor vinculado ao Departamento de Pesca, Ademir Ferraz, com distribuição gratuita para os presentes. Tal livro, que insiste em usar o termo HOMOSSEXUALISMO, defende entre outros absurdos, a ideia que as pessoas homossexuais são desequilibradas psicologicamente e que “buscam consciente ou inconscientemente a inversão da ordem estabelecida, carregando o mesmo ódio, que aos homofóbicos é atribuído, com a intenção de provocar um banho de sangue tal qual aconteceu na Alemanha nazista.” Ao saber da atividade, dissidentes sexuais, compareceram no lançamento com a clara intenção de protestar e repudiar a obra em questão.

Ademir inicia as atividades se colocando como isento e imune à qualquer atitude de preconceito e, da mesma forma que Idelber Avelar, justifica esta postura pela possível falta de processos administrativos na universidade que atestem sua postura preconceituosa, opressora e violenta.

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Após 30 minutos escutando os dejetos verbais de Ademir, baseados num entendimento completamente equivocado sobre as teorias psicológicas, sociológicas, antropológicas e médicas, foi iniciado o protesto, expressando como resposta a seguinte frase: DESEQUILIBRADO É VOCÊ! As ativistas tentaram localizar politicamente o discurso de Ademir, que, por sua vez, se referiu ao combate e repúdio incitado pelas mesmas como atestado de desequilíbrio. Ao dizer que o livro representa uma violência à comunidade sexo dissidente uma das ativistas queimou a obra firmando simbolicamente a disposição combativa contra às posturas machistas e autoritárias do professor.

Mesmo diante dos protestos, Ademir insistiu em dar continuidade com seu show de violência e estupidez, fazendo as ativistas se dirigiram a caixa de livros, a fim de resgatar um exemplar para usá-lo como prova material. Neste momento os garçons da empresa Graça Santos Buffet se dirigiram até as ativistas e iniciaram o processo de violência, a mando de Ademir, batendo, ferindo, rasgando as roupas, arrastando pelos cabelos e empurrado-as para fora da ADUFERPE. Os garçons foram imediatamente repreendidos por um diretor da ADUFERPE, porém na discussão travada contra a violência cometida, o professor Ademir ainda tentou agredir fisicamente uma das diretoras da associação de docentes, calúniou as ativistas e visivelmente violento e desequilibrado proferiu ameaças de morte.

Como se sabe Ademir é da coronelista família Ferraz – apesar de também ser persona non grata entre seus parentes por ter um talento ímpar para cultuar desafetos, confusões e brigas – e esta é conhecida da sociedade pernambucana pelos inúmeros casos de violência e assassinatos estampados nas páginas dos jornais locais. A família está atrelada ainda à dominação política coronelista agrícola e comercial em municípios no sertão de Pernambuco e pela brutal cultura de violência e machismo na qual submete seus membros. Também é bem sabido que Ademir profere gratuitamente ameaças de morte e insultos machistas contra as pessoas que ele discorda e é questionado.

Ao expressar sua versão dos fatos nas redes sociais e dizer-se atacado e agredido Ademir revela a perigosa e covarde estratégia da cultura opressora hegemônica  de afirmar o autoritarismo homossexual, recusando-se em reconhecer a própria violência e discriminação. Na realidade este é tanto um mecanismo de defesa do ego quanto um deslocamento/deturpação para garantir o livre exercício de sua violência. No sexismo esta negação é usada para manter e legitimar estruturas violentas de exclusão: “Elxs querem tomar o que é Nosso” “Ditadura Gay” “As mulheres querem dominar os homens”, então as mulheres, bichas, lésbicas, transsexuais, transgêneras e intersexuais tornam-se a imagem que o macho não quer ser relacionado, a de opressor, enquanto as pessoas ligadas a ideia de feminino se transformam em inimigas intrusivas dos padrões corretos e da moral cristã. Em outras palavras, o que fica claro é que a estratégia de perpetuação do machismo consiste em transformar o macho violento cheio de privilégios em vítima compassiva e oprimida e os setores oprimidos em tiranos.”

Este é mais um fato que atesta a extrema hostilidade existente no campus da UFRPE à comunidade sexo dissidente e a postura da instituição em não combater as violências proferidas pelos seus funcionários e por sua estrutura burocrática. Questionamos a ADUFERPE o espaço dado ao professor para lançar um livro com este teor político e mesmo cientes que o argumento da associação dos docentes é no sentido de fazer valer o direito do professor filiado de usar o espaço, indagamos aos diretores da ADUFERPE se o mesmo espaço seria dado para propagar o conceito de nazifobia, antisocialismo e antidemocracia, por exemplo. Estando certas que o consentimento da atividade se dá mesmo diante da posição contrária de vários diretores, alertamos a completa falta de debate a cerca das opressões e estigmatizações que circula a população sexo dissidente, mostrando uma esquerda ainda insensível com as violências e subjugações provenientes de uma estrutura machista.

Este livro, é a resposta de Ademir contra as posturas combativas de vários organismos políticos – entre eles a ADUFERPE – pelas suas expressões homofóbicas nas redes sociais e na universidade. Apesar de publicamente ter se declarado arrependido, na prática a “desculpa de joelhos do professor,” se dá com o lançamento de um livro que desqualifica político-psicologicamente homossexuais. Na ocasião, a reitoria publicou nota oficial afirmando que não concorda com as declarações e que iria tomar as providências cabíveis, garantindo amplo direito de defesa e manifestação a todas as partes.

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Liberdade de expressão não é liberdade de opressão. Discriminação, humilhação, patologização e inferiorização da população sexo dissidente além de representarem a sofisticação do discurso de ódio, são exatamente os princípios que fundamenta todas as violências, agressões e extermínio que lésbicas, travestis, mulheres e bichas estão submetidas pela estrutura patriarcal. É inadmissível e repugnante que uma universidade federal se apresente cúmplice destas violências entendendo a livre expressão de ódio e repulsa contra sexo dissidentes como uma simples opinião. Em tempos de ascensão evangélica no legislativo, entendemos que uma obra como esta – mesmo tão mal escrita e com tantas incoerências acadêmicas – pode servir de base para vários grupos políticos conservadores justificar suas ações violentas e pior ser referência para elaboração de leis que controlem ainda mais a população sexo dissidente, uma vez que a obra argumenta que o Estado de Direito está em risco graças a combatividade anti-heterosexista.

Por fim, gostaríamos de lembrar que a política da Universidade consiste em criminalizar performances artísticas questionadoras dos padrões de gênero e da heterossexualidade compulsória enquanto abriga e faz vista grossa aos funcionários homofóbicos e misóginos, protegendo e não indo contra um docente que escreve um livro pretendendo atestar a inferioridade psíquica das homossexuais combativas do sexismo tão violento contra nossos corpos. Neste momento de ameaça à liberdade das dissidentes sexuais, vemos a importância de convocar todos coletivos e pessoas apoiadoras da dissidência sexual, a organizarmos um grande ato público contra o professor e sua obra e contra a cumplicidade da UFRPE com as violências cometidas pelas pessoas que lá trabalham.

PELA EXONERAÇÃO DE ADEMIR FERRAZ
POR UMA COMBATIVIDADE ATIVA CONTRA A VIOLÊNCIA HETEROSSEXISTA
TODO REPÚDIO À CUMPLICIDADE DA UFRPE COM A VIOLÊNCIA HETEROSSEXISTA