Manifesto Golden Shower: Quando a performance fomenta a crise do CISTEMA

BloCU em São Paulo, onde foi realizada a ação das performers que impressionou o Presidente do Brasil

A repercussão de uma ação pospornô propagada pelo Presidente da República do Brasil no Blocu em São Paulo, trouxe a tona questionamentos que tanto pôs em cheque a postura e o decoro do cargo ocupado pelo incompetente e oportunista Jair Bolsonaro, quanto posicionou uma artilharia moralista contra as protagonistas, que afirmam em seu manifesto não serem homens, recusando a imposição e a reprodução de valores e padrões da masculinidade hegemônica, por consequência conhecida como tóxica.

A ação do senhor presidente foi destaque internacional, não só pela ignorância, mas também pelo despreparo e tamanha estupidez em trazer o pudor e uma moral, que anda em processo irreversível de sepultamento, para depreciar e incitar um controle cristão do carnaval brasileiro e dos blocos que consagram e fazem esta manifestação cultural acontecer. O ataque é acima de tudo contra as práticas não cisheterossexuais, algo que para eles deve ser combatido para não tomar a dominação do CIStema. E nesse ataque lembremos dos clássicos da sexodissidência e reconheçamos que tanto a direita quanto a esquerda colocou nossas práticas e nossas vivências como bizarras, apenas por recusarmos a perpetuar a civilização transformando nossos afetos em ameaça a reprodução humana, Guy Hocquenghem em “Abaixo a ditatuda dos normais”, fala bem da dificuldade da esquerda revolucionária entender o heterossexismo enquanto opressão estrutural. Que fique explícito, se a direita liberal ou a esquerda progressista incluiu nossas pautas, não foi por benevolência ou coerência e sim para assimilar nossa resistência e perpetuar sua hegemônia filosófica.

O Golden Shower, ou como preferimos, Lluvia de Oro, termo que nomeia uma produção pospornô de Nadia Granados, tem parte de seu repúdio baseado no higienismo, prática indiscutivelmente fascista atrelada a uma ideia de limpeza e saúde totalmente racista e cisheterossexista, fundamental para a consolidação de grandes corporações capitalistas, além de propagado, reproduzido e defendido por aqueles que ainda estão imersos num obscurantismo medíocre e por tolice se apavoram com a possibilidade de reconhecer que os valores cristãos e civilizatórios são mais sujos, nojentos e tóxicos que a escatologia que condenam.

Nosso lamento, vai no sentido de não concordar que a prática divulgada pelo presidente está dominando os blocos de carnaval no país, infelizmente. ‘Goldenshowerizar’ primeiramente o carnaval e depois todo o calendário deveria ser um devir da sexodissidência em tempos que uma gang de milicianos tomou o poder de assalto com uma propaganda trapaceira e falaciosa, defendendo castração química para estupradores – já que para eles isso se trata de líbido e não de poder e violência – liberação do porte de armas e que meninos vistam azul e meninas rosa. A conclusão final sobre isso tudo é que se Jesus realmente tivesse subido numa goiabeira ele teria posto os frutos no cu, transformado em granadas e atirado na cabeça dessa corja de canalhas que se apropriam de seu nome disseminando ódio, eliminação da diferença e agressividade para defender estas verdades torpes que já foram desmentidas e desmistificadas.

MANIFESTO GOLDEN SHOWER

Ao contrário do que disse o presidente da República, o vídeo que ele tuitou não era “um fervo imoral de carnaval”. Era uma performance, ato de cunho artístico, planejado, com intuito de comunicar uma mensagem de artistas. Nossa performance, portanto, é ato político. Um ato contra o conservadorismo e contra a colonização dos nossos corpos e nossas práticas sexuais.

Nós somos a Ediy, uma produtora pornográfica que trabalha a partir de corpos e desejos desviantes. O pornoshow é uma prática de performance, dança e pornô contra a pornografia tradicional, que coloniza e encolhe nossa sexualidade. Nossos corpos e desejos dissidentes rompem com os papéis de gênero machistas e misóginos que enxergam os corpos feminilizados como buracos. Nós estamos ao lado da imoralidade de vidas ditas como irrelevantes e matáveis. Somos os corpos não docilizados da escatologia social. Nossos desejos não dialogam com o sistema sexo-produtivo do cis-heterossexismo, masculino e branco. Em tempo: não somos homens, somos bixas.

Apesar de surpresas com a repercussão do registro da nossa performance, a pornoshow, é importante contextualizar a ação que o presidente e sua turma tiveram acesso via Twitter. Ela é uma resposta ao retrocesso moral e institucional que avança desde o dia de sua posse, porque estamos cansadas.

O presidente, frente à enxurrada de críticas nos carnavais de todo país, preferiu produzir outra cortina de fumaça nas redes. Afinal, é mais importante fiscalizar o cu alheio (literalmente) que tratar de administrar o país e dar melhores condições de vida para quem precisa. E nós, a população brasileira, merecemos respeito independente das práticas sexuais, das identidade de gênero, de raça e de classe.

Já que o presidente nos viralizou, propomos uma discussão sobre práticas sexuais não hegemônicas e hegemônicas. Não esperem que transemos para reprodução, tampouco que nos digam como devemos transar. Não estamos aqui para falar o que é certo, errado, ou impor qualquer coisa. Queremos respeito e direitos iguais.

Agradecemos pela divulgação e nos colocamos abertamente a favor do seu impeachment. Os ataques a direitos historicamente conquistados, a licença para matar conferida contra as populações indígenas, invisibilização de populações marginalizadas como nós LGBTTQIAN+, os ataques às mulheres cis e trans e à população negra, quilombola e com diversidade funcional o justificam. Pois estamos sendo MORTAS e nossos direitos sendo violados.

Mas nós já começamos e não vamos parar. Não daremos nenhum passo atrás. Para encerrar a polêmica sobre o carnaval, estamos de acordo com Leandro Vieira, carnavalesco da vitoriosa Mangueira: “O carnaval é a festa do povo, é cultura popular. Não é o que ele acha que é. Ele devia mostrar para o mundo o carnaval da Mangueira, da arte e da luta.”

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