Pastor evangélico acusa representante das religiões de matriz africana e indígena de Igarassu, a travesti Raphaela Ribeiro, de liderar convenção de feiticeiros no Poder Público

Pastor Aijalon Berto, fundador do Ministério Dúnamis tem pregado, em nome de Deus, contra candomblecistas e lgbts na cidade de Igarassu, Região Metropolitana do Recife.

Discursos que associam a dissidência sexual da supremacia branca e as religiões de matriz africana ao pecado e ao demônio tem responsabilidade direta na violência que essa população é vítima! As formas cruéis com que a transfobia, homofobia, lesbofobia, bifobia e o racismo estão sendo praticados assusta e evidencia uma base cultural onde o ódio tem o aval de Deus, já que ele só aceita uma única forma de existir neste mundo. Pernambuco estampa o noticiário nacional devido aos casos crescentes de transfeminicídio e a posição do cristianismo é de silêncio. Nos acreditamos que é porque a maioria massiva dos cristãos entende estas mortes como faxina, uma vitória de Deus contra o Diabo.

Neste contexto de perseguição o pastor Aijalon Berto da cidade de Igarassu, vai as redes sociais contra as ações da Coordenação Cultural das Religiões de Matrizes Africanas e Indígenas da Secretaria de Turismo, Cultura e Patrimônio Histórico da Prefeitura de Igarassu, afirmando que o poder público virou uma convenção para promover uma agenda pró-feitiçaria. Raphaela Ribeiro, travesti que participa das ações, é candomblecista e tem sido destratada, desrespeitada e difamada pelo religioso.

Charge de Laerte

A emergência de uma pessoa negra, candomblecista e travesti na gestão pública desperta uma repulsa que ameaça à manutenção da autoridade supremacista e de uma moral cristã que não admite a construção de políticas públicas para religiões e grupos marginalizados, além de objetivarem manter ambos em status de inferioridade para que possam ser atacados e violentados em nome do desejo de Deus. A associação de uma gestora pública travesti e candomblecista com o demônio opera como incentivo para que a comunidade cristã repudie não só a gestão, mas também persiga a representante institucional responsável pela cultura das religiões de matrizes africanas e indígenas do município. Ao dizer em suas redes que “o Deus amoroso coloca o feiticeiro no inferno” ele passa a liderar o estímulo a uma espécie de caça as bruxas para obtenção de uma paz racista e transfóbica e uma hegemonia cristã que historicamente se mantêm pelas ações violentas desde a instituição da Igreja Católica em Roma, passando pelas cruzadas até o missionarismo etnocída presente na África e nas regiões amazônicas.

Com base na sua interpretação de Estado Laico, o pastor expressa uma depreciação do povo de axé, quando nas usa entonações agressivas ao falar a palavra “terreiro”, denomina o candomblé e a umbanda como feitiçaria e bruxaria, além de acusar a prefeitura de promover as religiões de matriz africanas e indígenas. Ao mesmo tempo, para manter seu discurso sofisticado e atenuar a gravidade de seu racismo e transfobia, compara o caso com templos e paróquias, alegando que o Estado não pode abrigar um ativismo das religiões de matriz africana. Como se não houvesse símbolos cristãos nas instituições da república, como se ser “terrivelmente cristão”, não fosse critério para ocupar as instituições no Governo Bolsonaro, como se as políticas do Ministério da Mulher e Direitos Humanos não fossem regidas pela bíblia e como se as igrejas neopentecostais não estivesse no sistema prisional e nas unidades socioeducativas. Em outro vídeo, consagrando o abuso, enfatiza que está falando como pastor, faz questão de tratar a gestora como um homem feiticeiro, diz não temer processo e comete crime de calúnia, difamação e injuria racial quando propaga a falsa ideia de que a construção de políticas públicas se trata de uma convenção das bruxas, apenas pela pasta ser presidida por uma pessoa do candomblé.

Raphaela Ribeiro em reunião que denuncia os crimes contra seu trabalho na Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Pernambuco
Inquisição foi uma prática jurídica que teve como símbolo queimar questionadores ou desobedientes da Igreja Católica, a prática de assassinato ajudou o cristianismo se consolidar como religião supremacista

É verdade que muitos cristãos afirmam não concordar com as práticas fundamentalistas, odiosas e de alienação à complexidade da vida social diversa e plural, porém nos questionamos sobre o que eles estão fazendo para impedir que seus irmãos em cristo continuem cometendo crimes contra a dignidade do povo de terreiro e da dissidência sexual? Dizer que admite pessoas lgbts em seus templos, aparecer na impressa ao lado de yalorixás e babalorixás e fazer orações depois que pessoas lgbts são mortas ou terreiros são destruídos não garante a segurança e nem protege as populações vítimas do ódio praticado pelos seus irmãos, em nome de um Deus que só é louvado neste território graças a escravidão, o colonialismo e os assassinatos de povos, culturas e cosmologias dos que foram dominados.

A atual posição dos cristãos que não concordam com as práticas fundamentalistas só tem servido para construir uma imagem caridosa e benevolente do próprio cristianismo. Se negando em enquadrar, judicializar e denunciar os crimes de seus pares, só serve para limpar a imagem suja com nosso sangue que seus irmãos de fé vem promovendo, ou seja, não passa de ação oportunista que sofistica a consolidação de uma fé que se expande em cima de crimes, extorsões e violência!