7 Marchas dissidentes do Orgulho LGBT na América Latina

Emma Álvarez Brunel
Tradução: Grupo de Estudos Anarquistas Maria Lacerda Moura
Revisão: Monstruosas

Em 28 de junho de 1969, o bar Stonewall Inn foi cenário de um enfrentamento entre policiais e pessoas trans, travestis, lésbicas e bichas. Daí a cada ano se celebra em junho a marcha do Orgulho LGBT.

O bar Stonewall Inn, localizado em Nova Iorque, acolhia a pessoas sexodissidentes, marginalizadas por sua condição de classe e raça, acolhiam muitas latinas e afrodescendentes, pessoas sem teto, etc. A polícia fazia constantes batidas a este espaço para deter travestis e pessoas sem documentos, como forma de “limpeza social”. Essa noite, a raiva e o cansaço pela perseguição levou às pessoas que frequentavam o bar a resistir às prisões e ao fechamento do bar, exigindo espaços para visibilizar a diversidade sexual e de gênero. Os enfrentamentos duraram mais de 2 dias e agruparam mais de 2 mil manifestantes contra 400 policiais. A partir deste incidente se realizaram importantes manifestações de rua, como a primeira marcha do orgulho LGBT um ano depois, na cidade de Nova Iorque, organizada pela Gay Liberation Front (Frente de Liberação Gay), e se formaram coletivos políticos travestis, gays e lésbicos.

Na cidade do México, a primeira Marcha do Orgulho LGBT acontece no ano de 1979, mesmo ano em que se pubica “Ojos que da pánico soñar”, de José Joaquín Blanco. Este texto, que seria considerado um manifesto homossexual, criticava a normatização da diversidade sexual, através da imitação da heterossexualidade monogâmica, sem se aventurar a se inventar outras vidas fora desse esquema. Denunciava ademais a falta de justiça e as alianças que os homossexuais de classe média faziam com sua própria classe em vez de com os homossexuais pobres. Por último convocava para o prazer radical e a união entre “a cama e o trabalho, a intimidade e a política, o ato sexual e a solidariedade humana”.

Atualmente, as marchas do Orgulho ocorrem em muitos países, mas sabemos que seu sentido mudou significativamente. Em anos recentes marchamos junto a bares, empresas que se dizem LGBTI friendly, embaixadas de países como Estados Unidos e Israel, instituições do governo e partidos políticos, nos quais, em vez de celebrar sua participação, devíamos estar jogando tinta na cara. Muitas vezes, nas convocatórias às marchas se leem comentários que reforçam a misoginia, a homo/lesbo/transfobia e o desprezo por quem não respeita “os bons costumes”.

Em vez de nos juntarmos para celebrar o capitalismo rosa, sentimos necessidade de seguir mostrando a raiva frente aos feminicídios e aos crimes de ódio, a violência sexual, as violências que vivemos no dia a dia, a falta de justiça, e seguir nos organizando contra este sistema de morte. Hoje compartilhamos alguns exemplos de protestos dissidentes das marchas oficiais do Orgulho LGBT na América Latina, esperando poder ampliar a lista com mais informação de quem tenha conhecimento de manifestações deste tipo ou com manifestações futuras. Esperamos ademais, que sigamos construindo a partir da raiva e da crítica, a dissidência e a autogestão, antimercado rosa e sem Estado.

1. Cidade de México, 2014.
No ano de 2014, o Bloque Rosa (Bloco Rosa) publicou dois artigos em Djovenes, em sua coluna quinzenal Transtextual: “La marcha del orgullo está secuestrada” e “Transformar la marcha del Orgullo”, sobre a corrupção do Comitê Organizador da Marcha do Orgulho LGBTTTI e a necessidade de seguir mostrando a raiva contra as violências e os crimes de ódio que vivem as pessoas dissidentes do regime cisheterossexual. Como resultado disso, alguns membres do dito Comitê renunciaram. Além disso, organizou-se um contingente feminista-dissidente que encabeçou a marcha e denunciava a falta de justiça nos casos de Edgar Sora, Yakiri Rubio, Agnés Torre, Alejandra Gil, entre outros. Neste contingente participaram coletivos como Bloque Rosa, Gafas Violetas1, Anarcoqueer, Coletivo Poliamor, AVE de México, Maricas AntiesCiudad de México, 2014.pecistas, Puta Colectiva, Hombres XX, etc. Recomendamos verificar aqui o texto lido ao início da marcha do Orgulho desse ano. E aqui um vídeo onde podem ver algumas imagens da agitação. Mais adiante, a revista Proceso lançaria um artigo criminalizando a resistência antiassimilacionista por “vandalizar do Hemiciclo a Juárez” e as coletivas responderiam neste comunicado.

2. Buenos Aires, Argentina, 2016.
Em 26 de novembro de 2016, um grupo de coletivas feministas se organizam para intervir na marcha do orgulho em Buenos Aires, fazendo um contingente. Entre as participantes estavam Colectiva Lohana Berkins, Democracia Socialista, Desde el Fuego CABA, Furia Trava, HIEDRAH Club de Baile, Independientes, Partido Comunista, Tortas de Barrio e FOL em La Brecha.

As participantes deste contingente anunciaram seu descontentamento porque os organizadores oficiais da marcha tinham alianças com o Estado, algo com que não se identificavam, como mostra a entrevista de rádio a Nicolás Cuello.

Entre suas palavras de ordem estavam Macri (o presidente argentino) é fome, ajuste e repressão! Basta de travesticídios (como o ocorrido contra a ativista travesti Diana Sacayán)! Migrar é um direito humano! Separação da Igreja e do Estado! E Aborto legal, livre e gratuito!

Denunciavam também a precarização da vida pelo desemprego, a inflação, o empobrecimento, o desmantelamento de programas sociais, a discriminação no trabalho e em outros ambientes, o aumento da repressão e a intervenção pública da Igreja Católica contra os direitos das mulheres e das pessoas da diversidade sexual. O comunicado completo pode ser lido aqui.

3. Rubias Para El Centenrario, Santiago, Chile, 2011.
Para a marcha do Orgulho na capital chilena em 2011, realizou-se o protesto “Rubias para el Bicentenario”. Na ação a Colectiva Universitaria de Disidencia Sexual (CUDS) organizou uma “peluquería de barrio” (‘salão de beleza de bairro’) onde descoloriam o cabelo das pessoas que queriam e as convidavam a mudar de nome. Esta ação era uma crítica ao ideal de sujeito nacional, que evidencia o branqueamento do mestiço, no contexto da celebração do bicentenário da independência chilena. Desta maneira, faziam uma crítica também ao pensamento de direita racista e classista, tão presente na “comunidade LGBT”. O vídeo de “Rubias para el bicentenario” pode ser visto aqui.

4. Fin De Este Orgullo Principio de Nuestro Caos, Neuquén, Argentina, 2016.
Com o titulo “FIN DE ESTE ORGULLO, PRINCIPIO DE NUESTRO CAOS”. o agrupamento de lésbicas “Potencia Tortillera”2 convocou um contingente em Neuquén, Argentina.

Parte do pronunciamento critica o fazer político das organizações LGBT: “Porque as organizações lgbttti escolhem disputar espaços nas instituições estatais, enclausurando e confinando nossos corpos, nossas vidas e desejos em leis e políticas de igualdade. Porque propõem o Estado como fiador dos afetos. Porque decoram com luzinhas coloridas as paredes do prédio do governo onde recordamos com pichações os nomes dxs mortxs, deixando nas sombras a memória púbica de nossas dores, ao mesmo tempo que essas mesmas paredes protegem aos assassinos.” Continuam com uma crítica que o Orgulho nos leve à normatização e a buscar o matrimônio, enquanto elas, sapatas feministas, propõem o caos. “CAOS porque nossos corpos e desejos transbordam, explodem, contaminam tudo, querem tudo. Porque nossos suores, salivas, fluxos, raivas não cabem nas suas leis”.

O texto completo com imagens pode ser lido aqui.

5. Acampe Travesti, Buenos Aires, Argentina, 2009.
Na noite anterior à marcha do Orgulho LGBT de Buenos Aires, um grupo de coletivas e ativistas organizaram um acampamento na Plaza de Mayo para denunciar a situação de violências que vivem as travestis na Argentina, nas palavras da ativista Lohana Berkins “as irmãs mais pobres e castigadas da comunidade”. Enfatizaram que 70% das travestis argentinas não terminam a escola primária e a expectativa de vida entre esta população é de somente 32 anos.

Também insistiram em recuperar a marcha de sua mercantilização para fazer dela um espaço de luta. Para a noite se programaram diversos eventos, como uma coletiva de imprensa, oficinas de construção de memória coletiva trans, música, performance, etc. O pronunciamento se encontra aqui.

Na manhã seguinte participaram como “contramarcha” dentro do evento oficial, tendo palavras de ordem e posturas antipatriarcais e anticapitalistas, como se pode conferir no seguinte link.

6. Contramarcha, Ciudad de México, 2016.
Depois de se fazer uma assembleia feminista e das dissidências de sexo e de gênero, convocou-se uma contramarcha.

Enquanto a marcha oficial se iniciava, caminhando sobre a Avenida Reforma, em direção ao centro da cidade, foi interrompida à altura do senado da República por grupos feministas e dissidentes que formavam a contramarcha, que impediram a passagem dos carros alegóricos por alguns minutos para ler seu pronunciamento, todes, todos e todas vestidas de preto, encapuchadas, com o punho erguido pintado de roxo.

Entre as grandes críticas que se fazia à marcha oficial estava a insatisfação contra um grupo de ativistas LGBT que havia participado umas semanas antes em uma reunião oficial com o presidente Enrique Peña Nieto, celebrando o fato como “um dia histórico” para a comunidade LGBT.

“Nós não queremos fotos hipócritas ao lado de um assassino. Nós queremos que pare seu regime mortal, sustentado por morte e repressão: de 43 corpos desaparecidos, de milhares de mulheres assassinadas, de professoras e professores espancados, de pessoas que andam em direção ao precipício da precarização, de 10 mortes, 20 mortes, de milhares de narcomortes. Nós não podemos embarcar em seu suposto trem do progresso, nós não marchamos sozinhas, caminhamos acompanhando a outros processos, nos reconhecemos em outras, outros, outres, que não têm justiça, nem verdade: as indígenas, as operárias, as professoras, as migrantes, as feministas, as racializadas, a diversidade funcional3, as outras lutas”, dizia em seu pronunciamento.

Por outro lado, estava a denúncia à Cidade do México, que hipocritamente se declarava “Ciudad LGBT Amigable”: “A cidade também se declara gay friendly. Sua amizade se limita aos gays ricos. Aos corpos normatizados e aceitáveis. Aos bairros gentrificados, os quais utilizam a força policial e econômica para retirar de seus lugares a quem menos tem. Frente a essa realidade que nos segrega e despolitiza, as mortes e os assassinatos continuam. E todavia não há justiça, nem se tem garantido a não repetição dos danos.”

Depois de ler o pronunciamento e cantar algumas palavras de ordem, o grupo de manifestantes avançou em sentido contrário ao contingentes oficial.

7. La Otra Marcha, Chile, 2003
“La Otra Marcha” se organizou pela primeira vez no ano de 2003, quando se apresentaram fortes tensões entre organizações LGBT e o bloco lesbofeminista, ano em que a organização do orgulho decidiu usar o slogan “La patria gay”.

Se repetia no ano seguinte como contingente e em 2005 decidiram marchar como última ala da marcha oficial. monstruosas

No ano passado a crítica foi direta contra as organizações Iguales e Movilh, acusadas de priorizar ao matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, enquanto se esqueciam os crimes de ódio. Também as acusava de reproduzir o machismo entre os homens gays, o que resulta em violência e dupla marginalização para travestis e mulheres lésbicas. Pode-se verificar mais informação neste link e neste outro.

Este texto foi publicado em 6 de junho de 2017 no site Joterismo: Feminismos Jotos e Analquismo traduzido livremente pelo Grupo de Estudos Maria Lacerda de Moura e revisado pela Monstruosas.

1 Faz referência à metáfora das ‘lentes violetas’. Trata-se de como o feminismo te faz perceber violências e nuances da realidade patriarcal que não percebíamos antes.Faz referência à metáfora das ‘lentes violetas’. Trata-se de como o feminismo te faz perceber violências e nuances da realidade patriarcal que não percebíamos antes.

2 O termo tortillera e variações como torta e tortera são xingamentos usados em regiões onde se fala espanhol para se referir a lésbicas, recentemente foram ressignificados por movimentos sociais e coletivos como ‘Tortas de Barrio’ e ‘Potencia Tortillera’, de forma análoga à palavra portuguesa sapatão.

3 Diversidad funcional é uma alternativa a termos pejorativos como “discapacidad” [deficiência/incapacidade] que tem começado a se utilizar por iniciativa das próprias pessoas afetadas nas regiões onde se fala espanhol.