Nota de esclarecimento do Diretório Acadêmico de Ciências Sociais – UFRPE.

No dia 19 de março, um aluno da UFRPE realizou uma intervenção artística com conteúdo político, no Centro de Ensino e Graduação – CEGOE. A atenção e as críticas de muitos estudantes e da comunidade acadêmica se voltaram para isso nas últimas semanas, pois na performance houve elementos pouco convencionais para o cotidiano da UFRPE, como nudez, por exemplo.

A título de esclarecimento, o aluno referido estava contribuindo na organização de um debate de gênero que fazia parte da programação da Semana do Calouro de Ciências Sociais da UFRPE 2015.1, organizada pelo Diretório Acadêmico de Ciências Sociais – DACS. A performance estaria dentro da programação no dia do debate de gênero, porém, o DACS optou por não incluí-la imaginando que pudesse haver resistência tanto por parte dos calouros, quanto pelo Departamento de Ciências Sociais – DECISO. Nós acreditamos que há diversas formas de desconstrução, mas no momento preferimos ser cautelosos, devido à própria fragilidade do DACS, que passou anos de portas fechadas e ainda está se reestruturando e tomando corpo político-institucional. No entanto, mesmo com a divergência de método de desconstrução, nós defendemos a liberdade de expressão do estudante e achamos que é válida sua intervenção.

Durante o acontecimento, um segurança da universidade apresentou despreparo para lidar com a situação, afirmando que o estudante em questão merecia apanhar, pois se apanhasse jamais geraria tais “aborrecimentos” e fez outros comentários de conteúdo machista, homofóbico e transfóbico – chegou mesmo a comentar que os estudantes do curso de Ciências Sociais não mereciam defesa por parte da segurança da universidade. A Reitoria da Universidade sinalizou posteriormente que puniria o estudante e encaminharia o caso à Polícia Federal, por considerá-lo um crime.

Nós do DACS, acreditamos que não estamos num momento onde caiba a imparcialidade, sendo assim, gostaríamos de debater com o conjunto dos estudantes e com a comunidade acadêmica nosso posicionamento e nossa movimentação sobre os fatos políticos que cercam este acontecimento.

Em primeiro lugar, alertamos que a atitude do segurança foi um caso de homofobia, que reflete não apenas despreparo, mas a ideia profundamente perigosa que circula em nossa sociedade de que pessoas de orientação sexual ou identidade de gênero1 diferente do padrão não são respeitadas. Longe de ser uma opinião pessoal, a homofobia é uma questão social: nós do DACS não responsabilizamos individualmente o segurança que fez os comentários, e por isto levamos este alerta à Comissão de Direitos Humanos da UFRPE, juntamente com a exigência à reitoria de que haja cursos de formação continuada que preparem os profissionais da UFRPE para lidar com as diferenças de orientação sexual, gênero, raça, identidade de gênero, enfim, com a diversidade que só vem a contribuir na nossa universidade.

Sabemos que uma boa parte da comunidade acadêmica considera a performance desnecessária ou mesmo agressiva, mas gostaríamos de lembrar o quanto a liberdade de expressão é essencial dentro e fora das instituições de ensino, e como ela foi conquistada a duras penas. Atualmente, alguns movimentos sociais utilizam a nudez como ferramenta de desconstrução para sua luta – embora possa haver discordâncias quanto à efetividade desse método, a punição destes ativistas seria um ataque à democracia e aos seus valores. Gostaríamos de lembrar também que nas universidades do país afora este tipo de intervenção ocorre comumente e não é possível que apenas na nossa universidade isso vire um caso de polícia. Por isto, consideramos errada qualquer punição ou encaminhamento do estudante à Polícia Federal. Em caso de dúvida sobre a ocorrência ou não de um crime, aconselhamos o acompanhamento das últimas decisões das instâncias superiores da Justiça brasileira, que tendem a não tratar casos semelhantes como conduta criminal, uma vez que a intenção (“dolo”) não seria de ferir o pudor alheio, mas de realizar uma atividade de caráter artístico e político. Um exemplo é uma decisão do STF sobre o fato de não caber o enquadramento penal em situação semelhante, na qual se discute sobre a caracterização da ofensa ao pudor público (se houve ou não crime) e se conclui que, dentro do contexto, “a discussão está integralmente inserida no contexto da liberdade de expressão, ainda que inadequada e deseducada. A sociedade moderna dispõe de mecanismos próprios e adequados, como a própria crítica, para esse tipo de situação, dispensando-se o enquadramento penal”2

• Repudiamos o despreparo da segurança da UFRPE e A POSSÍVEL CRIMINALIZAÇÃO da intervenção, considerando como um ataque à LIBERDADE DE EXPRESSÃO em toda sua diversidade;
• Por um movimento estudantil unido na defesa da liberdade de expressão!
• Pelo aprofundamento no debate com o conjunto da universidade sobre o combate às ideologias machistas, racistas, homo, lesbo, bi e transfóbicas!

1 Identidade de gênero: gênero com o qual o indivíduo se identifica, não necessariamente tem a ver com os órgãos genitais ou com o gênero que lhe foi atribuído em seu nascimento.
2 BRASIL. Superior Tribunal Federal. Habeas-corpus no 83996 RJ. Relator: VELLOSO, Carlos. Publicado no DJ 26-08-2005.

Diretório Academico de Ciências Sociais UFRPE entende denúncia e questionamento político como declaração de guerra

10835078_347887075401760_443395399268821326_oApós a publicação da nota de repúdio realizada por ativistas da dissidência sexual sobre a censura de uma performance artística na semana no calouro de ciências sociais, o DACS/UFRPE expulsa a ativista do grupo de articulação numa rede social, por considerar o questionamento e as denúncias apresentadas uma declaração de guerra política.

A posição que o diretório acadêmico vem tomando desde que decidiu impedir de forma autoritária, arbitrária e conservadora uma performance artística sobre dissidência sexual, transexualidade e crítica a indolência racional expõe uma tensa problemática sobre a impossibilidade de questionar e denunciar os fazeres políticos desta coletividade sob as penas de expulsão e estigmatização, fechando-se ao diálogo e negando em emitir opinião sobre as denúncias declaradas.

A ação do DACS/UFRPE e as justificativas dadas para censura da perfomance abre precedentes perigosos, ameaçando a construção da luta pela liberdade e agindo diretamente na invisibilidade de discursos anti-hegemônicos apenas por estarem preocupados com uma boa imagem instuticional em detrimento aos interesses de quem se diz representar.