Luana era uma mulher negra, lésbica, mãe e periférica, que foi assassinada pela mão da PMSP em Ribeirão Preto, em Abril de 2016.
Luana levava seu filho de 14 anos, a um curso de informática e foi espancada por se negar a ser revistada por policiais homens. Segundo familiares, Luana teria pedido que a revista fosse realizada por policiais mulheres, mas a solicitação não foi atendida, e ao pontuar que não queria que o procedimento fosse feito por agentes homens ela foi brutalmente agredida por cerca de 6 policiais. Em decorrência do espancamento a vítima teve isquemia cerebral causada por traumatismo crânio-encefálico, conforme apontado no laudo do Instituto Médico Legal (IML), vindo a óbito 5 dias depois da violência policial, aos 34 anos.
O juiz José Roberto Bernardi Liberal, responsável pelo caso, em mais uma ação de lesbofobia e racismo institucional alega falta de provas, invalidando o laudo médico para provar a violência policial, desta forma a justiça negou o pedido de prisão preventiva dos acusados.
Dia 18/07/2018 às 13h terá uma Audiência de Instrução e Julgamento, no Foro de Ribeirão Preto, onde familiares de Luana foram intimados a prestar depoimentos como testemunhas de acusação na frente dos policiais acusados.
Diante dessa série de violências que Luana Barbosa, assim como sua família vivenciaram nesses últimos anos, a ABGLT – Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Travestis e Intersexos denuncia através de uma Nota de Repúdio mais uma impunidade da justiça brasileira. A associação questiona publicamente o método que materializa mais uma violência e exige que se pense uma outra forma de compartilhar e coletar informações das também vitimas da situação para que elas sejam acolhidas diante de tamanha impunidade.
Desta maneira movimentos sociais, coletividades e agrupamentos LGBTS, sexodissidentes, negros e feministas estão sendo convocados para fazerem pressão nesse cenário de julgamento e apoiar a família que foi violada pela intervenção brutal da policia. Precisamos exercer solidariedade e a convocatória se dá na tentativa de garantir o acolhimento para mais uma família negra que sofre com o genocídio devido a violência policial.
O Coletivo Adelinas, o MAE- Movimento Autônomo pela Educacao, as Mães em Luto da Zona Leste, Mulheres Militantes Autônomas e a Coletiva Luana Barbosa estão fazendo uma vakinha online para custear transporte até Ribeirão Preto com objetivo de comparecer no dia da audiência, a campanha encerra dia 15 de julho: https://www.vakinha.com.br/vaquinha/nenhuma-luana-a-menos
A ONU Mulheres e o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) divulgaram nota em que pedem “investigação imparcial” sobre o caso, afirmando que a morte da jovem “é um caso emblemático da prevalência e gravidade da violência racista, de gênero e lesbofóbica no Brasil. Segundo a Relatora Especial sobre questões de minorias da ONU, o número de afrodescendentes mortos em ações policiais é três vezes maior do que o registrado entre a população branca no estado de São Paulo.”
Vidas LGBT’s importam, Vidas negras importam, parem de nos matar!
O projeto Liberta Elas se volta para as mulheres em situação de cárcere em Pernambuco.
Com uma visão crítica à seletividade (de raça, sexualidade e classe) do sistema penitenciário brasileiro, a proposta é estabelecer contatos de afeto com estas mulheres, afirmando a importância da sociedade se voltar para elas, observando onde estão, em quais circunstâncias e por quais motivos. A invisibilidade na qual são colocadas as pessoas em situação de cárcere só colabora com a perda de seus direitos. O projeto Liberta Elas luta pelos direitos das mulheres e por justiça social.
O crime quando cometido por uma mulher é entendido não só como um ato de transgressão às normas, mas, e principalmente, como uma “rebeldia” feminina que abandona seu lugar de “honra” na sociedade.
A mulher transgressora não é considerada digna de respeito e atenção.
Um retrato disso são os dias de visitas na Colônia Penal Feminina Bom Pastor. Dias marcados por ausências e solidão.
O Liberta Elas acredita na potência política do afeto e nossa proposta é construir momentos de acolhimento para as mulheres que estão lá dentro. Um acolhimento que possa também ser material, já que existem necessidades básicas por parte das mulheres em situação de cárcere.
Nesse primeiro momento, o Liberta Elas está construindo um diálogo com a Colônia Penal Feminina Bom Pastor. Os contatos entre o projeto e estas mulheres serão estabelecidos através de atividades coletivas como a oficina de Estética da Afetividade, realizada por Isabel Freitas.
Sua proposta pedagógica possibilitará às mulheres em situação de cárcere a reconstrução da sua própria história, resgatando/fortalecendo sua autoestima pessoal, familiar e social com base na estética do oprimido. Esta tem como fundamento a certeza de que somos todos melhores do que pensamos ser, capazes de fazer mais do que realizamos: todo ser humano é expansivo.
Também serão viabilizadas entre os dias 11 e 15 junho pelas outras integrantes do projeto, mais atividades como: oficinas de respiração, produção de zine, biodança, sobre a escuta de si; roda de diálogo sobre maternidade e famílias, e sessão de cinema.
Ainda existe uma campanha pernamente de arrecadação que busca montar kits individuais que levam em consideração as especificidades das mulheres no Bom Pastor (mães, idosas, gestantes e bebês).
Kit Mulheres: absorventes, perfumes, sabonetes, xampu, creme condicionador, hidratante, pasta e escova de dentes, batons, maquiagens e roupas;
Kit Bebê: sabonete para bebês, colônia para bebês, lenços umedecidos e fraldas G ou GG.
Os kits prontos serão arrecadados na Rua Nunes Machado, nº 97, Boa Vista, próximo a Igreja da Soledade e da Universidade Católica de Pernambuco. Para as pessoas que não puderem montar um kit mas quiserem colaborar, também serão aceitas doações a partir de R$ 5,00, através das contas (os comprovantes deverão ser enviados para o e-mail: libertaelas@gmail.com com o assunto “doação campanha bom pastor”. Vale ressaltar que todo o dinheiro arreacado será utilizado para a compra dos kits.
No próximo 16 de junho acontece no Estúdio Lâmina em São Paulo, o festival de cultura e política sexodissidente “KUCETA (póspornografias)”. O evento é protagonizado por corpos negros, trans, soropositivos, sexomarginalizados, desviantes e construído sob a perspectiva de apoiar e fortalecer uma comunidade e uma rede formada por pessoas que contrariam, combatem e são vítimas da norma, moral e economia heterocapitalista.
O evento também é um marco que promove o choque estrambólico entre a Solange Tô Aberta de Pedra Costa, a batucada de Gil Porto Pyrata, ex-Putinhas Aborteiras e o Anarcofake, dissidência antiheterossexista do Anarcofunk, de Mogli Saura, em uma das 5 perfoshows da noite. O momento é aguardado por representar um encontro de criações que embalaram e inspiraram a emergência de políticas combativas e radicais em torno das sexualidades bizarras, anormais e políticas monstruosas desde o início dos anos 2000
Performances, filmes, feira libertária com bancas de zines, roupas, sex toys, comidas vegetarianas, dvds pornopirata e artes serigrafadas, além de flashs de tatuagens entre 50$ e 100$ com Trava Tatueira, lançamento do zine Siririca e o debate “O que faz de uma relação sexual” com Caróu Oliveira Diquinson, trazendo uma reflexão sobre quais são as perspectivas anarquistas nas disputas de narrativa sobre sexualidade feminina.
A entrada no evento custará 15$ e o arrecadado será compartilhado com as organizadoras e artistas que participarão do evento, PORTANTO NÃO SERÁ ACEITO CARTÃO. A organização frisa que também não tolera atitudes machistas, racistas, misóginas, transfóbicas, conservadoras, julgadoras, gordofóbicas, lésbofóbicas, meritocratas, nacionalistas, moralistas, xenofóbicas e putofóbicas e que o evento também pauta privilégios sistêmicos e marginalidades, ressaltando a importância da redistribuição financeira e fortalecimento das corpas afetadas.
KUCETA (póspornografias)
Inspiradxs em festivais como Muestra Marrana, Bienal de Arte e Sexo Dildo Rosa, Pornífero, Anormal Festival, Arrecheras Heterodisidentes, Monstruosas, etc; pretendemos exibir algo do que tem sido produzido em relação a sexualidades não normativas, em nossa rede pós-pornográfica. Queremos estar juntas em dissidências, articulando nossas guerrilhas ao que nos massacra, mostrando nossas artes, táticas, anti-artes e lutas para não sucumbirmos ao cis-tema(!), para gozarmos, termos prazeres contra hegemônicos e inventar novos prazeres contrassexuais. Nossas cucetas estão em festa, e vamos dedicar esse encontro pra elas!
Usamos o pós porno como ferramenta anticapitalista para potencializar nossa máquina de guerra e metalhar em todxs nossa política anarquista!
É sobre dedicarmos esse encontro a abrir-nos e a preencher de sentidos e diversidades em pulsação, mas óbvio que também rebolaremos nossas rabas até o chão, chão chão.
A programação ainda conta com a instalação “Do desejo“, de Gabriela De Laurentiis, a exposição “Pornografia Analítica – superinterpretações críticas” de Paulx Castello e uma excitante mostra de vídeos, exibindo trabalhos que já circularam em eventos de sexualidades anormais em âmbito nacional e internacional, além de títulos ainda não tão conhecidos,
PERFORMANCES:
DANI BARSOUMIAN Artista, feminista autônoma e pesquisadorx do corpo, utiliza a arte da performance para investigar questões relacionadas as construções de identidades.
GIL PORTO PYRATA
Pessoa trans não binária, artista de rua, palhaço freak, anarktransfeminista e terrorperformer, pesquisa pósporno e masculinidades combativas ao heterocispatriarcado, usando linguagens experimentais que circulam entre circo/dança/yoga/textualidades.
RAO NI Viado do corre autônomo, trabalha com montagem de vídeo, som e desenho.
GORDURA E SUJEIRA
Palhaçxs periféricxs, que transgridem fronteiras, a cultura circense e a cultura das bixas travestis sapatonikas se unem e a tradição perde sua norma.
JOÃO GQ: Formado em realização audiovisual na Universidade do Vale do Rio dos Sinos em 2012, já foi sócio da produtora audiovisual Avante Filmes entre 2011 a 2013. Em 2015 ingressou no Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre e desde então vem pesquisando intersecções entre [corpo + tecnologia + política] e [arte + educação + saúde]. Ainda colaborou com os coletivos: Poro Audiovisual, Coletivo Moebius, C4 Performance em Conjunto, Sapedo Arte Menor e festivau de C4nn3$.
SUE NHAMANDU VIEIRA A Pornôklasta, Professora de filosofia por mais de 13 anos, performer e ativista transfeminista pró-sexo.
MOGLI SAURA Artista da fome. Experimenta e cria a partir das ruínas, da rua, do lixo e do mato. Em seu processo de criação compõe, performa, dança e toca. Tendo como ponto de partida a contracultura e a antiarte como referência biológica. Se fez conhecer por suas composições e gravações dentro do coletivo Anarcofunk e pelas performances-rituais em Kaos Dança Butoh. Suas (des)obras são pautadas por questões bio-politicas, existenciais, filosóficas e místicas colocando ancestralidades sem origem, gêneros dissidentes, re-existencias psico-nômadas e anarquias mágicas para rizomar e jogar com as estruturas binárias, rígidas sistemáticas afim de devir (im)possibilidades. da pós-pornografia a palhaçaria, da arte mambeibe a body arte, do funk carioca a musica artesanal campesina mexicana, do butoh ao swing de fogo, do terror ao amor.
BRUNA KURY:
Anarcatransfeminista, performer, pesquisa kuir sudaka no cotidiano e já performou com a Coletiva Vômito, Coletivo Coiote, La Plataformance, MEXA e Coletivo T. Pirateia e faz pósporno e pornoterror. Desenvolve performances/ações diretas contra o cis-tema patriarcal heteronormativo compulsório vigente e a opressões estruturais (GUERRA de classes), principalmente em lugares de crise. Recentemente participou da residência no Capacete (RJ) e do Festival Internacional de Postporno Anormal em Ex-teresa (México).
CAMILA VALONES
É artista-poeta-total. Trabalha entre paisagens plásticas e sonoras, textos, táticas, objetos, seres, fazeres, teatro e performances. Integra desde 2015 a companhia de TEAT(R)O OFICINA UZYNA UZONA. Em 2013 foi premiada pelo Prêmio Itamaraty de Arte Contemporânea. Já teve o seu trabalho exposto em diferentes estados do Brasil e em Quito, no Equador, onde apresentou a peça sonora (l)A Selva.
DESIRE GONZALES
LUA LUCAS
Atuou como atriz junto com o Coletivo T, katita problematizadora na empresa A Revolta da Lâmpada e fortalecedora na empresa Cursinho Popular Transformação
PAULX CASTELLO Bixa putx transudaka performer e quase varias outras coisas, pósgraduada em pospornografia e desejos contrasexuais pela DIY Univérsity of Você Mesme con Amigues”.
PERFOSHOWS
SOLANGE, TÔ ABERTA STA! é o fracasso da hetero/homonormatividade: festejar as margens e comemorar a precariedade. STA! é a música pirata, é o fracasso da arte!!! STA! é um buraco que todo mundo tem!!!
VENTURA PROFANA E JHONATTA VICENTE Ventura Profana e Jhonatta Vicente resgatam vestígios de uma educação evangélica, criando um paralelo entre o genocídio TLGBs e a crucificação de Cristo.
ERIC OLIVEIRA
Integra o Baile em Chernobyl, coletivo de bixas degeneras, periféricas, que correm do patriarcado e atacam com som e performance.
ANA GISELLE
Transalien, monxtra, estranha, vespertine, improferível, idiossincrasia, unlimited spirit, creature of the night
ANIMALIA Experiência sensorial de estímulo/imaginação por meio de diálogos entre imagem, som e performance.
O Cineclube Diversidade, criado em maio de 2013, completa cinco anos em 2018. Desde sua criação, o cineclube realizou cerca de 20 sessões, com a exibição de curtas, médias e longa-metragens, abordando temáticas de gênero – entre eles temas ligados ao que denomina-se LBGTT – Lésbicas, Bisexuais, Gays, Transexuais, Travestis, além de discutir temas de diversidade racial e religiosa.
Neste ano, o cineclube exibira filmes que interseccionem demandas raciais e LGBTT. Serão selecionados filmes que contenham conteúdo relacionados à negritude sapatonas, transviadagens perifériks, travestis desobedientes, bixas pretas, bissexuais convictos e demais estéticas de corporeidades negras que lutam pela emancipação da colonização sexual-racial. A Mo(n)stra escolhera filmes que discutem táticas de sobrevivência de sujeitos subalternizados, de promoção de saúde e prazeres, e de produções de masculinidades e feminilidades que friccionem fronteiras identitárias.
Inscreva sua produção através do seguinte formulário
Horário do evento: 31 de outubro e 1 de setembro, das 17:00 ás 21:00 horas
Local: Cine Metropólis – UFES
Av. Fernando Ferrari, 514 – Goiabeiras, Vitória – ES, 29075-073
E-mail para diversidadecineclube@gmail.com
Aos 92 anos, 79 deles dedicados ao candomblé e 41 como sacerdotisa do Ilê Axé Opô Afonjá, Mãe Stella de Oxóssi, também imortal na Academia de Letras da Bahia, mudou-se de Salvador, onde o terreiro está sediado, para Nazaré das Farinhas no Recôncavo Baiano. Depois de sofrer um acidente vascular cerebral, Mãe Stella perdeu quase toda a visão e se locomove com a ajuda de uma cadeira de rodas. A piora em seu estado de saúde abriu uma guerra silenciosa em torno da sua sucessão. Atualmente, pelo menos cinco grupos movimentam-se para suceder Mãe Stella, que não preparou nenhum nome natural ao posto.
Os membros do terreiro acusam a psicóloga Graziela Domini, companheira de Mãe Stella, de manipulá-la, vender partes do patrimônio do terreiro e assumir as tarefas que só caberiam a Ialaoríxa dentro dos fazeres do ilê, além de afirmar que por sua condição de fragilidade a liderança não tem condições psicológicas de tomar decisões. Por sua vez, Graziela argumenta que apoia e cuida da mãe de santo, portando laudos que garante a boa condição psicológica da matriarca e sua co-responsabilidade pelo tratamento e demais decisões médicas envolvendo o estado de saúde dela e justifica que apenas assessora a mãe de santo no terreiro, uma vez que com a saúde debilitada tem dificuldade de locomoção e visual. A psicóloga ainda relata que foi agredida, arrastada para fora do terreiro por cinco homens e que o presidente da Sociedade Cruz Santa do Afonjá, Ribamar Daniel, queria impor sua separação da imortal, fixando sua residência no terreiro e sob os cuidados de seus membros.
Por localizarmos que Mãe Stella e Graziela Domini foram vítimas de lesbofobia e misoginia compartilhamos o desabafo de Paula Azeviche, sobre a violência cometida contra a relação de duas mulheres e principalmente sobre o silêncio e a apatia das comunidades de terreiro no caso que representou desrespeito e agressão a maior e mais importante representante do candomblé viva no Brasil e a sua companheira.
Por Paula Azeviche
Pedagoga e mestra em Estudos Étnicos e Africanos – FFCH/UFBA
Então, já que eu não sou feita no Candomblé, portanto, não entendo quase nada de hierarquia na religião, vamos falar de uma mulher, negra, de 92 anos, que vive o amor com uma mulher branca, de 55 anos há 12 anos.
Vamos falar também, que esta mulher, negra, não tem respeitada a sua voz, quando diz que quer ir morar em outra cidade, ao lado da companheira. Daí, eu quero ressaltar que, nesta conversa, tem 5 homens na frente destas duas mulheres formando uma barreira e as impedindo de falar qualquer coisa. Tem uma mulher que grava tudo, e tem outros homens e mulheres ao redor, mas ninguém faz nada. E, no desfecho deste vídeo, uma mulher, de 55 anos, que é arrastada para fora do ambiente da discussão por 5 trogloditas, com comandos de: “não deixe marcas”, “sem machucar”, todo o processo de humilhação é minuciosamente orquestrado.
O vídeo, evidentemente, foi vazado, e publicado por alguns importantes jornais da Bahia. E do lado de fora desta cena vergonhosa? O silenciamento, completo e absoluto da história de vida de uma mulher negra, que lutou (ainda luta) e viveu (e está bem viva!) por uma comunidade por mais de 8 décadas. Agora, essa mesma comunidade, passa por cima dos seus interesses, a trata como incapaz, fala que, devido a idade, esta mulher não tem mais condições de pensar sobre a sua própria vida e que está sendo manipulada pela mulher que ela diz que ama.
https://www.youtube.com/watch?v=MEVfvDeeR8I
Absoluto contrassenso. Esta senhora de 92 anos é guardiã e mantenedora de um saber ancestral, mas ao mesmo tempo, é uma incapacitada. Como assim? É aquela história de onde filho chora e mãe não vê. Conhece o ditado? Mas aqui, quem chorou foi a mãe. Esta é a história de Mãe Stella de Oxóssi, importante Iyalorixá baiana, escritora, premiada, Doutora Honoris Causa pela Universidade do Estado da Bahia. Seguindo casada com uma mulher, por tanto, em um relacionamento lésbico, Mãe Stella perde todo o seu status por simplesmente querer ser feliz. E o resultado disso, é o silenciamento da sua voz. Ninguém é a favor de uma lésbica, ainda mais se for negra.
Não importa a idade, não importa a sua patente, eu vou arrastar a sua mulher na sua frente, eu vou fazer o seu peito sangrar, eu vou fazer sua voz estremecer, eu vou fazer, porque você não pode comigo: o machismo que mata, a lesbofobia que invisibiliza, o sexismo que é ultrajante.
“Por que não vejo quase ninguém indignado com este crime?”
Vão esperar Mãe Stella morrer para dar o caso como esquecido, apagado, foi um episódio que não deverá ser lembrado. Mas aí, existe uma ação na justiça, contra a companheira da Mãe Stella, com mais de 70 assinaturas, acusando ela disso e daquilo, rola as conversas de que, bons filhos, vão visitar a Mãe e que são impedidos, e essa é a prática de perseguição, até que se conclua o Feminicídio de uma ou da outra, ou das duas. Porque é assim que funciona.
Quero que qualquer um fale para mim, que se fosse um homem que estivesse do lado de Mãe Stella, sentado no sofá, se ele seria arrancado do lado da sua mulher daquele jeito e muito menos se seria filmado. Então, nem venham com conversa fiada que a sexualidade da Mãe de Santo não é a pauta. Só é a pauta. Porque é assim que é! Mas eu não vi ninguém fazer textão com a dor da lésbica negra.
Ah, já sei. Tem o lance do lugar de fala. Saquei. Mas então esse papo de sororidade, solidariedade é só para as mulheres de verdade, né? Para as filhas da heteronormatividade.
Tudo dito, a sua omissão não me surpreende. Eu sou vítima da omissão todos os dias. Sei o que é existir sem ser vista. Sou casada com uma mulher negra, sou Pedagoga, Mestra em Estudos Étnicos e Africanos, produtora cultural, ativista das causas sociais e raciais desde a minha juventude, mas enquanto eu mantinha relacionamentos héteros eu era a maravilhosa, cantora, atriz, a foda na Bahia! Agora, eu nem sei quem sou para as pessoas, e pouco me importa. Sou que nem a Mãe Stella, tenho o “rabo preso” com a minha companheira, com quem construo a minha vida, meus planos, pago as minhas contas.
Eu estou com Mãe Stella de Oxóssi, porque falar de sexualidade nesse mundo, é tomar posse máxima da liberdade de ser quem você é.
Sinto muito por tudo o que aconteceu, sinto por tanta gente hipócrita, que tem o conhecimento da história, mas que não tem a mínima coragem de partir em sua defesa, porque na real são lesbofóbicas, machistas, sexistas, me dão nojo. Sinto e te respeito, te amo, peço por você, e te peço a benção, Mãe. Oxóssi que te proteja.
Emma Álvarez Brunel Tradução: Grupo de Estudos Anarquistas Maria Lacerda Moura Revisão: Monstruosas
Em 28 de junho de 1969, o bar Stonewall Inn foi cenário de um enfrentamento entre policiais e pessoas trans, travestis, lésbicas e bichas. Daí a cada ano se celebra em junho a marcha do Orgulho LGBT.
O bar Stonewall Inn, localizado em Nova Iorque, acolhia a pessoas sexodissidentes, marginalizadas por sua condição de classe e raça, acolhiam muitas latinas e afrodescendentes, pessoas sem teto, etc. A polícia fazia constantes batidas a este espaço para deter travestis e pessoas sem documentos, como forma de “limpeza social”. Essa noite, a raiva e o cansaço pela perseguição levou às pessoas que frequentavam o bar a resistir às prisões e ao fechamento do bar, exigindo espaços para visibilizar a diversidade sexual e de gênero. Os enfrentamentos duraram mais de 2 dias e agruparam mais de 2 mil manifestantes contra 400 policiais. A partir deste incidente se realizaram importantes manifestações de rua, como a primeira marcha do orgulho LGBT um ano depois, na cidade de Nova Iorque, organizada pela Gay Liberation Front (Frente de Liberação Gay), e se formaram coletivos políticos travestis, gays e lésbicos.
Na cidade do México, a primeira Marcha do Orgulho LGBT acontece no ano de 1979, mesmo ano em que se pubica “Ojos que da pánico soñar”, de José Joaquín Blanco. Este texto, que seria considerado um manifesto homossexual, criticava a normatização da diversidade sexual, através da imitação da heterossexualidade monogâmica, sem se aventurar a se inventar outras vidas fora desse esquema. Denunciava ademais a falta de justiça e as alianças que os homossexuais de classe média faziam com sua própria classe em vez de com os homossexuais pobres. Por último convocava para o prazer radical e a união entre “a cama e o trabalho, a intimidade e a política, o ato sexual e a solidariedade humana”.
Atualmente, as marchas do Orgulho ocorrem em muitos países, mas sabemos que seu sentido mudou significativamente. Em anos recentes marchamos junto a bares, empresas que se dizem LGBTI friendly, embaixadas de países como Estados Unidos e Israel, instituições do governo e partidos políticos, nos quais, em vez de celebrar sua participação, devíamos estar jogando tinta na cara. Muitas vezes, nas convocatórias às marchas se leem comentários que reforçam a misoginia, a homo/lesbo/transfobia e o desprezo por quem não respeita “os bons costumes”.
Em vez de nos juntarmos para celebrar o capitalismo rosa, sentimos necessidade de seguir mostrando a raiva frente aos feminicídios e aos crimes de ódio, a violência sexual, as violências que vivemos no dia a dia, a falta de justiça, e seguir nos organizando contra este sistema de morte. Hoje compartilhamos alguns exemplos de protestos dissidentes das marchas oficiais do Orgulho LGBT na América Latina, esperando poder ampliar a lista com mais informação de quem tenha conhecimento de manifestações deste tipo ou com manifestações futuras. Esperamos ademais, que sigamos construindo a partir da raiva e da crítica, a dissidência e a autogestão, antimercado rosa e sem Estado.
1. Cidade de México, 2014. No ano de 2014, o Bloque Rosa (Bloco Rosa) publicou dois artigos em Djovenes, em sua coluna quinzenal Transtextual: “La marcha del orgullo está secuestrada” e “Transformar la marcha del Orgullo”, sobre a corrupção do Comitê Organizador da Marcha do Orgulho LGBTTTI e a necessidade de seguir mostrando a raiva contra as violências e os crimes de ódio que vivem as pessoas dissidentes do regime cisheterossexual. Como resultado disso, alguns membres do dito Comitê renunciaram. Além disso, organizou-se um contingente feminista-dissidente que encabeçou a marcha e denunciava a falta de justiça nos casos de Edgar Sora, Yakiri Rubio, Agnés Torre, Alejandra Gil, entre outros. Neste contingente participaram coletivos como Bloque Rosa, Gafas Violetas1, Anarcoqueer, Coletivo Poliamor, AVE de México, Maricas AntiesCiudad de México, 2014.pecistas, Puta Colectiva, Hombres XX, etc. Recomendamos verificar aqui o texto lido ao início da marcha do Orgulho desse ano. E aqui um vídeo onde podem ver algumas imagens da agitação. Mais adiante, a revista Proceso lançaria um artigo criminalizando a resistência antiassimilacionista por “vandalizar do Hemiciclo a Juárez” e as coletivas responderiam neste comunicado.
2. Buenos Aires, Argentina, 2016. Em 26 de novembro de 2016, um grupo de coletivas feministas se organizam para intervir na marcha do orgulho em Buenos Aires, fazendo um contingente. Entre as participantes estavam Colectiva Lohana Berkins, Democracia Socialista, Desde el Fuego CABA, Furia Trava, HIEDRAH Club de Baile, Independientes, Partido Comunista, Tortas de Barrio e FOL em La Brecha.
As participantes deste contingente anunciaram seu descontentamento porque os organizadores oficiais da marcha tinham alianças com o Estado, algo com que não se identificavam, como mostra a entrevista de rádio a Nicolás Cuello.
Entre suas palavras de ordem estavam Macri (o presidente argentino) é fome, ajuste e repressão! Basta de travesticídios (como o ocorrido contra a ativista travesti Diana Sacayán)! Migrar é um direito humano! Separação da Igreja e do Estado! E Aborto legal, livre e gratuito!
Denunciavam também a precarização da vida pelo desemprego, a inflação, o empobrecimento, o desmantelamento de programas sociais, a discriminação no trabalho e em outros ambientes, o aumento da repressão e a intervenção pública da Igreja Católica contra os direitos das mulheres e das pessoas da diversidade sexual. O comunicado completo pode ser lido aqui.
3. Rubias Para El Centenrario, Santiago, Chile, 2011. Para a marcha do Orgulho na capital chilena em 2011, realizou-se o protesto “Rubias para el Bicentenario”. Na ação a Colectiva Universitaria de Disidencia Sexual (CUDS) organizou uma “peluquería de barrio” (‘salão de beleza de bairro’) onde descoloriam o cabelo das pessoas que queriam e as convidavam a mudar de nome. Esta ação era uma crítica ao ideal de sujeito nacional, que evidencia o branqueamento do mestiço, no contexto da celebração do bicentenário da independência chilena. Desta maneira, faziam uma crítica também ao pensamento de direita racista e classista, tão presente na “comunidade LGBT”. O vídeo de “Rubias para el bicentenario” pode ser visto aqui.
4. Fin De Este Orgullo Principio de Nuestro Caos, Neuquén, Argentina, 2016. Com o titulo “FIN DE ESTE ORGULLO, PRINCIPIO DE NUESTRO CAOS”. o agrupamento de lésbicas “Potencia Tortillera”2 convocou um contingente em Neuquén, Argentina.
Parte do pronunciamento critica o fazer político das organizações LGBT: “Porque as organizações lgbttti escolhem disputar espaços nas instituições estatais, enclausurando e confinando nossos corpos, nossas vidas e desejos em leis e políticas de igualdade. Porque propõem o Estado como fiador dos afetos. Porque decoram com luzinhas coloridas as paredes do prédio do governo onde recordamos com pichações os nomes dxs mortxs, deixando nas sombras a memória púbica de nossas dores, ao mesmo tempo que essas mesmas paredes protegem aos assassinos.” Continuam com uma crítica que o Orgulho nos leve à normatização e a buscar o matrimônio, enquanto elas, sapatas feministas, propõem o caos. “CAOS porque nossos corpos e desejos transbordam, explodem, contaminam tudo, querem tudo. Porque nossos suores, salivas, fluxos, raivas não cabem nas suas leis”.
5. Acampe Travesti, Buenos Aires, Argentina, 2009. Na noite anterior à marcha do Orgulho LGBT de Buenos Aires, um grupo de coletivas e ativistas organizaram um acampamento na Plaza de Mayo para denunciar a situação de violências que vivem as travestis na Argentina, nas palavras da ativista Lohana Berkins “as irmãs mais pobres e castigadas da comunidade”. Enfatizaram que 70% das travestis argentinas não terminam a escola primária e a expectativa de vida entre esta população é de somente 32 anos.
Também insistiram em recuperar a marcha de sua mercantilização para fazer dela um espaço de luta. Para a noite se programaram diversos eventos, como uma coletiva de imprensa, oficinas de construção de memória coletiva trans, música, performance, etc. O pronunciamento se encontra aqui.
Na manhã seguinte participaram como “contramarcha” dentro do evento oficial, tendo palavras de ordem e posturas antipatriarcais e anticapitalistas, como se pode conferir no seguinte link.
6. Contramarcha, Ciudad de México, 2016.
Depois de se fazer uma assembleia feminista e das dissidências de sexo e de gênero, convocou-se uma contramarcha.
Enquanto a marcha oficial se iniciava, caminhando sobre a Avenida Reforma, em direção ao centro da cidade, foi interrompida à altura do senado da República por grupos feministas e dissidentes que formavam a contramarcha, que impediram a passagem dos carros alegóricos por alguns minutos para ler seu pronunciamento, todes, todos e todas vestidas de preto, encapuchadas, com o punho erguido pintado de roxo.
Entre as grandes críticas que se fazia à marcha oficial estava a insatisfação contra um grupo de ativistas LGBT que havia participado umas semanas antes em uma reunião oficial com o presidente Enrique Peña Nieto, celebrando o fato como “um dia histórico” para a comunidade LGBT.
“Nós não queremos fotos hipócritas ao lado de um assassino. Nós queremos que pare seu regime mortal, sustentado por morte e repressão: de 43 corpos desaparecidos, de milhares de mulheres assassinadas, de professoras e professores espancados, de pessoas que andam em direção ao precipício da precarização, de 10 mortes, 20 mortes, de milhares de narcomortes. Nós não podemos embarcar em seu suposto trem do progresso, nós não marchamos sozinhas, caminhamos acompanhando a outros processos, nos reconhecemos em outras, outros, outres, que não têm justiça, nem verdade: as indígenas, as operárias, as professoras, as migrantes, as feministas, as racializadas, a diversidade funcional3, as outras lutas”, dizia em seu pronunciamento.
Por outro lado, estava a denúncia à Cidade do México, que hipocritamente se declarava “Ciudad LGBT Amigable”: “A cidade também se declara gay friendly. Sua amizade se limita aos gays ricos. Aos corpos normatizados e aceitáveis. Aos bairros gentrificados, os quais utilizam a força policial e econômica para retirar de seus lugares a quem menos tem. Frente a essa realidade que nos segrega e despolitiza, as mortes e os assassinatos continuam. E todavia não há justiça, nem se tem garantido a não repetição dos danos.”
Depois de ler o pronunciamento e cantar algumas palavras de ordem, o grupo de manifestantes avançou em sentido contrário ao contingentes oficial.
7. La Otra Marcha, Chile, 2003 “La Otra Marcha” se organizou pela primeira vez no ano de 2003, quando se apresentaram fortes tensões entre organizações LGBT e o bloco lesbofeminista, ano em que a organização do orgulho decidiu usar o slogan “La patria gay”.
Se repetia no ano seguinte como contingente e em 2005 decidiram marchar como última ala da marcha oficial. monstruosas
No ano passado a crítica foi direta contra as organizações Iguales e Movilh, acusadas de priorizar ao matrimônio entre pessoas do mesmo sexo, enquanto se esqueciam os crimes de ódio. Também as acusava de reproduzir o machismo entre os homens gays, o que resulta em violência e dupla marginalização para travestis e mulheres lésbicas. Pode-se verificar mais informação neste link e neste outro.
Este texto foi publicado em 6 de junho de 2017 no site Joterismo: Feminismos Jotos e Analquismo traduzido livremente pelo Grupo de Estudos Maria Lacerda de Moura e revisado pela Monstruosas.
1 Faz referência à metáfora das ‘lentes violetas’. Trata-se de como o feminismo te faz perceber violências e nuances da realidade patriarcal que não percebíamos antes.Faz referência à metáfora das ‘lentes violetas’. Trata-se de como o feminismo te faz perceber violências e nuances da realidade patriarcal que não percebíamos antes.
2 O termo tortillera e variações como torta e tortera são xingamentos usados em regiões onde se fala espanhol para se referir a lésbicas, recentemente foram ressignificados por movimentos sociais e coletivos como ‘Tortas de Barrio’ e ‘Potencia Tortillera’, de forma análoga à palavra portuguesa sapatão.
3 Diversidad funcional é uma alternativa a termos pejorativos como “discapacidad” [deficiência/incapacidade] que tem começado a se utilizar por iniciativa das próprias pessoas afetadas nas regiões onde se fala espanhol.
10 de Novembro: Judith Butler é assediada no aeroporto de Congonhas por um grupo de brasileiros conservadores, após uma semana de controvérsias por causa da sua participação no seminário “Os Fins da Democracia”, promovido pelo SESC Pompeia em São Paulo. Até antes da chegada de Butler no país, os conservadores já tinham começado a lutar contra a presença dela no país. Uma petição pública foi lançada e houve uma ampla campanha nas redes sociais contra a suposta contribuição da filósofa para a difusão da tão falada ideologia-de-gênero-que-está-arruinando-a-juventude-nacional como uma praga dentro das escolas e universidades.
De repente, a teoria queer deixa os corredores acadêmicos de onde surgiu para o centro de um debate acalorado travado na arena da já turbulenta esfera pública do país. As imagens de bruxas sendo queimadas pelas mãos de cristãos fundamentalistas, assim como os posters ofensivos acusando os textos de Butler de incitação à “pedofilia” e ao “anti-semitismo”, nos oferecem um registro visual da vocação surrealista das interpretações conservadoras quanto ao cenário atual do Brasil e do mundo. Sem nenhuma conexão com uma epistemologia realista, o cerne dessa narrativa é o pânico moral em relação à ameaça apresentada pelo crescimento de movimentos como o LGBTQIA e o transfeminismo Interseccional ao mundo que eles estão tentando preservar – mundo governado pelo binarismo de gênero, pela família heterosexual, e pela ficção do grande guerreiro nacional.
Junto com o episódio de Butler, o fechamento da “Queermuseu” (uma exposição comissionada pelo Santander Cultural, uma proeminente instituição de arte financiada pelo banco de mesmo nome), a perseguição pública do artista Wagner Schwartz por causa de sua performance La Béte (na qual seu corpo nu é instalado como uma plataforma interativa para o público), assim como a interdição legal da peça teatral de Renata de Carvalho, O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu (baseada no roteiro original de Jo Clifford, no qual Jesus é performado como e por uma mulher trans), se tornaram simultaneamente os alvos mais visíveis dos ativistas de direita — agrupados em torno de um novo movimento alimentado por ideais antigos, o MBL — e seus aparatos institucionais (o governo em si), assim como os bastiões mais visíveis da resistência de esquerda contra a censura.
Apesar da luta contra a onda de censura moralista ser importante, por demonstrar como esses episódios de perseguição pública de artistas e intelectuais críticos estão atrelados a dispositivos de silenciamento e exclusão muito mais complexos, também é importante considerar, durante esse processo, a maneira como a própria cartografia da dissidência que está em jogo foi desenhada de acordo com os limites discursivos impostos pelos gestos conservadores de censura: as pessoas são levadas a acreditar que a arte está em risco, quando o risco artístico nada mais é do que a continuidade do próprio risco de vida daqueles corpos representados pelos inquisidores da direita como perigosos para o projeto nacional. Além disso, o espetáculo da censura pode facilmente fazer alguém acreditar que esse risco nunca antes esteve presente na história da democracia brasileira, como se a luta irrefreável de sujeitos negros, queer, trans, e femininos para apenas viver com dignidade não fosse um indicador da onipresença da supremacia branca, do fundamentalismo cisgênero, e da heteronormatividade, até mesmo durante os anos mais “progressistas” da democracia brasileira.
Por causa do apelo à imagem sagrada dos filhos-da-nação-que-devem-ser-protegidos, a cruzada pública dos conservadores de direita contra formas de expressão queer e feministas identifica as representações do corpo nu e as performances sociais não-normativas em termos de gênero e sexualidade como símbolo do espírito anti-nacionalista que está supostamente levando o país à ruína. O paradoxo é que essa narrativa apocalíptica simultaneamente esconde e reproduz a materialidade apocalíptica da política brasileira: enquanto no dia a dia, assim como nas dinâmicas das macro-estruturas, corpos não-normativos são aqueles que encontram de maneira mais escancarada a violência do cativeiro e da morte, as narrativas de direita afirmam que o que está sendo ameaçado atualmente é o direito do sujeito branco, heterossexual, e cisgênero de viver livremente às custas dos seus “outros”. Isto é, o medo dos guerreiros da moral quanto à possibilidade do mundo deles desmanchar perante o crescimento dos projetos políticos negros, queer, e feministas está profundamente ligado à reprodução social dos efeitos brutais deflagrados pelas estruturas correntes de poder contra a desobediência de gênero e as dissidências sexuais, especialmente aquelas situadas na interseção da pobreza e da discriminação racial.
Diante de eventos como esse, pode-se dizer que a demanda emancipatória do momento é parar a marcha dessas projeções totalitaristas de ficção científica retrô, bloqueando seu caminho. O problema dessa formulação é que ela restringe o campo de batalhas ao território demarcado pelas cercas erguidas pelas cenas de sujeição dos conservadores de direita — ou, colocando de outra maneira: na tentativa de freá-los, as pessoas podem ficar presas nas ficções deles, respondendo perguntas que não podem ser respondidas senão nos termos deles e dentro do quadro de referências por eles imposto. Talvez o necessário aqui seja, em realidade, ser capaz de distinguir o que não pode ser silenciado pela perseguição hiper-moralista dos guerreiros da moral conservadora, e a continuação dos projetos inacabados de liberação negra, queer, trans, e feminista, para além do escopo totalitário.
Afinal de contas, o dilema distópico impulsionado pela intensa atividade dessas forças, pelo menos dentro do contexto brasileiro, foi antecipado até mesmo antes e por baixo da censura recente de obras de arte, exibições e seminários abertos ao público. Estava operante até mesmo antes e por baixo do que aconteceu com Judith Butler em São Paulo. Da perspectiva das pessoas as quais as expressões de gênero, desejo, sexualidade e corporalidade tem sido alvo dos códigos violentos da sociedade brasileira desde a sua formulação como democracia (e até mesmo antes e por baixo), os guerreiros distópicos dessa utopia militar sempre estiveram marchando. Nós — e aqui falo como uma bixa racializada não-binária nascida e criada no nordeste do Brasil durante o período pós-ditadura — vimos eles vindo. Ainda sim, ao invés de lutarmos sozinhas de nossas posições isoladas, escolhemos nos nutrir para não deixar que o crescimento deles nos parasse.
E nós precisamos continuar fazendo isso. Nós precisamos continuar imaginando. Precisamos continuar desbravando rotas de fuga no mapa sitiado da distopia brasileira; estudando como habitá-lo como encruzilhada e não como ponto de paragem — desviando, tumultuando, movimentando, como temos feito. Nós precisamos desarmar a guerra deles contra nossa imaginação radical para podermos sonhar com mundos que ainda não foram inventados, mesmo que toda semana os tornados reacionários do totalitarismo nos levem a defender coisas que nós já havíamos tomado por garantidas. Mesmo que eles nos forcem a defender o óbvio mil vezes, nós precisamos superar sua determinação, sonhando até mais além — acima, por trás, por dentro, contra e em volta do seu mundo de contenção. Nós precisamos incorporar, como intensidade e como matéria, o feitiço que nos permitirá falar em duas ou mais línguas ao mesmo tempo: uma que confronta a mordaça imposta pelos guerreiros da moral conservadora; e outra que nos leva para além do que eles haviam planejado para nós .
Não podemos deixar que eles nos parem agora.
(E não vamos!)
Este texto foi comissionado por e-flux conversations, e originalmente publicado em inglês no dia 18-12-2017. A tradução foi feita de forma independente e cedida pela autora ao blogue Monstruosas.
Como ação política autônoma articulada em rede e com chamada de contribuição solidária, a 2ª edição do festival Monstruosas tinha como objetivo realizar o evento independente do valor final de arrecadação. Contudo a organização foi surpreendida com, além do apoio financeiro, o de serviços, possibilitando entre outras coisas, fornecer ajuda de custo para as atrações da programação e para equipe de produção. As contribuições e apoio foram dados em perspectiva ocultista, sem pretensão de contrapartida por meio de promoção ou propaganda por parte da equipe organizadora.
Portanto, nossos agradecimentos vão além dos valores e serviços aqui recebidos, mas principalmente por poder vivenciar, no percalço do colapso da civilização, a construção de ações autônomas que estimulam a solidariedade em congruência com uma economia da dádiva, presente nas culturas incivilizadas vítimas da colonização. Desta forma, o festival propõe uma alternativa material e concreta contra a assimilação queer e o pink money preservado a autonomia e a dissidência sexual enquanto política anticapitalista.
ENTRADA
SAÍDA
DETALHES
R$ 100,00
R$ 139,00
Transporte (ARTISTAS)
R$ 100,00
R$ 130,00
Transporte (ARTISTAS)
R$ 300,00
R$ 250,00
Camisetas
R$ 5,00
R$ 40,00
Papeis (CAPA ZINES)
R$ 50,00
R$ 20,00
Tintas (SERIGRAGIA)
R$ 100,00
R$ 50,00
Transporta público
R$ 40,00
R$ 70,00
Adesivos
R$ 15,00
R$ 100,00
Ajuda de custo OFICINA
R$ 240,00
R$ 100,00
Ajuda de custo OFICINA
R$ 20,00
R$ 100,00
Transporte artista
R$ 45,00
R$ 100,00
Transporte artista
R$ 700,00
R$ 50,00
Comida EQUIPE
R$ 20,00
R$ 45,00
Ajustes técnicos (INFRAESTRUTURA)
R$ 300,00
R$ 400,00
Cachê (ARTISTAS)
–
R$ 400,00
Ajuda de custo (EQUIPE)
–
R$ 41,00
Caixa Distro Dysca
R$ 2.035,00
R$ 2.035,00
ENTRADA
R$ 2.035,00
CUSTOS
R$ 1.194,00
CACHÊ ARTISTAS
R$ 400,00
EQUIPE
R$ 400,00
SALDO FINAL
R$ 41,00
O saldo final de R$ 41,00 entrou para o caixa da Distro Dysca, plataforma de agitação política que distribuí nossas publicações, bem como a renda obtida por meio de contribuição espontânea dos zines, camisetas e adesivos resultando num valor de R$ 186,00.
A Monstruosas é uma iniciativa de combatividade, resistência, criação e agitação política em perspectiva antiheterossexista, anticissexista, anticolonial e interseccional, voltada para o encontro e fortalecimento das sexualidades e gêneros dissidentes.
A construção das masculinidades tóxicas e hegemônicas, perpassa, para nós, a virilidade, a falocracia, a intransigência e a insensibilidade. Isto precisa, além de ser questionado, hostilizado e confrontado, porque são nestes aspectos que se baseiam a deslegitimação dos comportamentos desviantes, das subjetividades, além das violências sexuais e de gênero que bichas, homens trans e não homens sofrem cotidianamente. Sendo assim, este evento é voltado para todes aqueles que não se sentem confortáveis com a imposição da masculinidade cisgênera e heterossexual (corpos víris, agressivos e não violáveis; penetradores universais e castrados de próstata), já que esta ocupa um local de proteção e privilégio exclusivo e supremacista. Ser hostil a homens cisheterossexuais, não significa deslegitimar as masculinidades trans e gay, pelo contrário, é entendê-las como um ponto de criticidade no que diz respeito a ser homem e como ameaça a soberania viril, representando o fracasso do controle biopolítico dos corpos.
Entendendo que toda experiência é única e que os grupos identitários não são homogêneos, sabemos que ao hostilizar a presença de homens cisheteros estamos tornado o espaço convidativo para certos grupos ao passo que excluímos outros. Porém, nos afastamos da concepção de luta individualista e liberal, comum na militância e/ou ativismo LGBT, pensando a questão de gênero e as sexualidades para além da perspectiva de afirmação das identidades. Desta forma, um evento anticissexista voltado para sexualidades e gêneros dissidentes não é capaz e nem tem interesse em contemplar todas as vivências a partir somente da congruência sob os locais de fala, já que muitas vezes eles são conflitivos entre si. Assim, não temos outra escolha se não priorizar algumas experiências em detrimento de outras a partir de uma ética política anti-hegemônica.
As pessoas que protagonizam e colaboram com o evento incluí mulheres trans e cis, sapatões, bixas, homens cis não heteros, homens trans, não bináries e outras performances de gênero monstruosas, que consideram que seus comportamentos expressos de maneira mais livre e a exposição de seus corpos, seja no audiovisual ou nas performances, possam ser objetificados, heterossexalizados e violados, caso o evento torne-se permissivo com a presença de homens cisheteros. Isto é, enfatizamos a não pertinência de homens cis héteros em nosso evento mesmo acreditando nas falhas de ajustamentos e nas contradições entre nós dissidentes, uma vez que estas devem ser repensadas de forma a não ofuscar, nem confortar as categorias políticas privilegiadas ou ainda trazer imunidade aos corpos historicamente constituídos a partir da intolerância, rigidez e abusos.
Espaços livres de identidades hegemônicas não implica necessariamente em um espaço seguro para as construções desviantes, pois nenhuma identidade está completamente imune para violar corpos produzidos como outros, uma vez que as opressões se entrecruzam e que os conflitos estão presentes em qualquer agrupamento animal.
Como ação política antihumanista, este evento repudia o heterossexismo e seu cistema antropocêntrico, enquanto regime político e visa a emergência e a propagação de manifestações corporais em desacordo com a normalidade. Por isso, entendemos que homens gays e trans, mulheres e lésbicas que se apropriam da virilidade, do falocentrismo e da performatividade cisheterossexual correm o risco de assimilar comportamentos opressores e extremamente violentos às dissidências, mesmo sendo violentadas em suas expressões de gênero e sua vivência sexual. Consideramos tóxicas essas atitudes opressivas, ainda que vinda de grupos dissidentes, esses comportamentos também não são bem-vindos.
Nesta direção convidamos todas as dissidentes para uma movimentação política que utiliza a arte como ferramenta de contestação às culturas normativas de sexualidade, gênero e resistência, em perspectiva anarquista, abordando vozes periféricas às indústrias da arte e do audiovisual e reunindo produções independentes do Brasil e América Latina.