Tendo como mote a celebração festiva que marca a incidência das políticas contrasexuais nos anos 2000, as artistas e ativistas Mogli Saura e Bruna Kury lançam pela Monstruosas e Fera Livre uma publicação conjunta marcada por fechamentos de ciclos e abertura de outros horizontes possíveis.
A obra conta com dois textos, “A pósporonografia como arma contra a maquinaria da colonialidade” de Bruna Kury e Modos artísticos em intersecções ecológicas: eco-monstruosidades pelo fim do mundo humano, entre povos da terra e grupos dissidentes” de Mogli Saura, ambas protagonistas de uma cena contracultural radical anticapitalista iniciada no Rio de Janeiro e que trilhou pelo anarquismo, circo, queer e punk nos contextos de ocupações, atos, intervenções e protestos, fortemente caracterizadas pelo questionamento incisivo à arte e à política institucional e as organizações burocráticas que anulam o protagonismo em função da representação.
Entendendo a performance e a criação estética enquanto máquina (e tática de guerra) Bruna e Mogli vivenciaram juntas ações-direta com o Coletivo Coiote (criado por Bruna) e o Anarcofunk, espalhando um adubo fértil para a emergência das críticas raciais, antisexistas e ecológicas, além de abrir fissuras nas organizações políticas anticapitalistas inteiramente circunscritas pela branquitude, cisgeneridade e heterossexualidade, denunciando suas operações conservadoras e trazendo conflitos inevitáveis ao localizar as impossbilidades de contrução de emancipação sob bases tão coloniais.
Também Seguiram ativas em diversos movimentos luta, como ocupações de moradia, centros contraculturais e retomadas de territórios ancestrais indígenas e negros, sendo protagonistas da efervecência anarcakuir de seu tempo fomentando práticas, posturas e ideias que se desdobraram em diversas iniciativas dissidentes.
Lançado também como zine pela Monstruosas, “A póspornografia como arma contra a maquinaria da colonialidade” segundo a propria a autora “pode atuar em diversos âmbitos pessoais e coletivos, tanto como manifestação política de ação direta como é o pornoterrorismo, mas também na desfetichização de corpos subalternalizados, trazendo pra roda o prazer e a descolonização das corpas enquanto revolucionário.”
Já a obra de Mogli e sua ecologia-interseccional, faz da encruzilhada seu ponto fundamental, trazendo sua leitura e experimentação ancestral, permacultural, artística e decolonial na maneira como identifica processos ecológicos em manifestações estético-políticas e (anti)artísticas, sendo estas praticadas por existências, anticivilizatórias, gênero dissidentes, étnicas e racializadas, nos contextos de luta por autonomia comunitária e anticapitalismo, entendendo a ecologia como campo de intersecção nesse processo.
O livro ainda marca a primeira publicação dos selos Fera Livre e Monstruosas e conta com o texto de abertura da artista Pêdra Costa, uma das primeiras a trazer as questões queer para o Brasil com seu projeto de funk queer punk ‘Solange, tô aberta!’
O primeiro evento de lançamento da obra, acontecerá na Casa do Povo, a partir de 12h, em São Paulo e contará com a Feira de Arte Travestigenere com exposições de Armr’ore, Auá Mendes, Bruna Kury, Dandara, Duda, Gabú, Fito Sazonal, Gil Porto Pyrata, Jane Alves, Laz Raphaelli, Lu Recicla Alimentos, Macramexias, Marcos Vinicios, Nathê, Rao Freitas, Shukykanraty, Rudá Terraboa e Uarê Erremays, além da exibição do filme Gentrificação dos Afetos de Bruna Kury
SERVIÇO Lançamento do Livro “Modos artísticos em intersecções ecológicas: eco-monstruosidades pelo fim do mundo humano, entre povos da terra e grupos dissidentes” de Mogli Saura e “A pósporonografia como arma contra a maquinaria da colonialidade” de Bruna Kury, selo Fera Livre e Monstruosas Casa do Povo – Rua Três Rios, 252, Bom Retiro, São Paulo/SP 20/11/2021 12h
Majur, que questiona seu gênero desde pequena, destaca o respeito e apoio em relação a transição de gênero dentro de seu povo e nas aldeias que mantem contato. Também vê a importância disso nos processos de transgeneridade e transsexualidade que afloram em outros jovens e adolescentes de seu povo.
Preocupada com a autoestima e saúde mental da juventude indígena a cacique Majur planeja a ida para a aldeia Balatipone-Umutina em Barra dos Bugres, de 12 a 15 de novembro de 2021, o local fica a aproxidamente 400km de distância de Rondonópolis. Sua expectativa é conseguir ajuda para a contratação de um ônibus e levar 50 jovens a um evento local de jogos e celebração da cultura indígena. A articulação também tem importância política e visa o fortalecimento e união dos Balatipone-Umutina e Boe Bororo, frente ao terrível contexto de violência ambiental, cultural e territorial contra os povos indígenas, sobretudo do centro-oeste, região onde a expansão do agronegócio ocorre de forma acelerada, destruído biomas, territórios sagrados e exterminando animais não humanos domesticados e selvagens.
O evento organizado pelos Balatiponé-Umutina, além de representar um resgate ancestral tem na participção dos Boe Bororo uma estratégia de preservação das dimensões da espiritualidade e da cosmologia destes povos. De acordo com o Mapa da Violência de 2014, a saúde psicosocial dos povos indígenas merece atenção redobrada, dos 68 óbitos de indígenas, entre 2008 e 2012, 51 eram jovens, onde o suicídio e o assassinato são as principais causas. A eterna luta pela efetivação dos direitos e pela afirmação da identidade perante a nossa sociedade, são questões que precisam ser observadas pela temática do adoecimento mental, na perspectiva da saúde pública.
Para apoiar a cacique Majur e os povos Boe Bororo e Balatiponé-Umutina, você pode realizar uma transferência bancária para:
Discursos que associam a dissidência sexual da supremacia branca e as religiões de matriz africana ao pecado e ao demônio tem responsabilidade direta na violência que essa população é vítima! As formas cruéis com que a transfobia, homofobia, lesbofobia, bifobia e o racismo estão sendo praticados assusta e evidencia uma base cultural onde o ódio tem o aval de Deus, já que ele só aceita uma única forma de existir neste mundo. Pernambuco estampa o noticiário nacional devido aos casos crescentes de transfeminicídio e a posição do cristianismo é de silêncio. Nos acreditamos que é porque a maioria massiva dos cristãos entende estas mortes como faxina, uma vitória de Deus contra o Diabo.
Neste contexto de perseguição o pastor Aijalon Berto da cidade de Igarassu, vai as redes sociais contra as ações da Coordenação Cultural das Religiões de Matrizes Africanas e Indígenas da Secretaria de Turismo, Cultura e Patrimônio Histórico da Prefeitura de Igarassu, afirmando que o poder público virou uma convenção para promover uma agenda pró-feitiçaria. Raphaela Ribeiro, travesti que participa das ações, é candomblecista e tem sido destratada, desrespeitada e difamada pelo religioso.
A emergência de uma pessoa negra, candomblecista e travesti na gestão pública desperta uma repulsa que ameaça à manutenção da autoridade supremacista e de uma moral cristã que não admite a construção de políticas públicas para religiões e grupos marginalizados, além de objetivarem manter ambos em status de inferioridade para que possam ser atacados e violentados em nome do desejo de Deus. A associação de uma gestora pública travesti e candomblecista com o demônio opera como incentivo para que a comunidade cristã repudie não só a gestão, mas também persiga a representante institucional responsável pela cultura das religiões de matrizes africanas e indígenas do município. Ao dizer em suas redes que “o Deus amoroso coloca o feiticeiro no inferno” ele passa a liderar o estímulo a uma espécie de caça as bruxas para obtenção de uma paz racista e transfóbica e uma hegemonia cristã que historicamente se mantêm pelas ações violentas desde a instituição da Igreja Católica em Roma, passando pelas cruzadas até o missionarismo etnocída presente na África e nas regiões amazônicas.
Com base na sua interpretação de Estado Laico, o pastor expressa uma depreciação do povo de axé, quando nas usa entonações agressivas ao falar a palavra “terreiro”, denomina o candomblé e a umbanda como feitiçaria e bruxaria, além de acusar a prefeitura de promover as religiões de matriz africanas e indígenas. Ao mesmo tempo, para manter seu discurso sofisticado e atenuar a gravidade de seu racismo e transfobia, compara o caso com templos e paróquias, alegando que o Estado não pode abrigar um ativismo das religiões de matriz africana. Como se não houvesse símbolos cristãos nas instituições da república, como se ser “terrivelmente cristão”, não fosse critério para ocupar as instituições no Governo Bolsonaro, como se as políticas do Ministério da Mulher e Direitos Humanos não fossem regidas pela bíblia e como se as igrejas neopentecostais não estivesse no sistema prisional e nas unidades socioeducativas. Em outro vídeo, consagrando o abuso, enfatiza que está falando como pastor, faz questão de tratar a gestora como um homem feiticeiro, diz não temer processo e comete crime de calúnia, difamação e injuria racial quando propaga a falsa ideia de que a construção de políticas públicas se trata de uma convenção das bruxas, apenas pela pasta ser presidida por uma pessoa do candomblé.
É verdade que muitos cristãos afirmam não concordar com as práticas fundamentalistas, odiosas e de alienação à complexidade da vida social diversa e plural, porém nos questionamos sobre o que eles estão fazendo para impedir que seus irmãos em cristo continuem cometendo crimes contra a dignidade do povo de terreiro e da dissidência sexual? Dizer que admite pessoas lgbts em seus templos, aparecer na impressa ao lado de yalorixás e babalorixás e fazer orações depois que pessoas lgbts são mortas ou terreiros são destruídos não garante a segurança e nem protege as populações vítimas do ódio praticado pelos seus irmãos, em nome de um Deus que só é louvado neste território graças a escravidão, o colonialismo e os assassinatos de povos, culturas e cosmologias dos que foram dominados.
A atual posição dos cristãos que não concordam com as práticas fundamentalistas só tem servido para construir uma imagem caridosa e benevolente do próprio cristianismo. Se negando em enquadrar, judicializar e denunciar os crimes de seus pares, só serve para limpar a imagem suja com nosso sangue que seus irmãos de fé vem promovendo, ou seja, não passa de ação oportunista que sofistica a consolidação de uma fé que se expande em cima de crimes, extorsões e violência!
O zine do Anti Projeto Anarco Fake conta com o texto “Do punk pro funk, do funk pro fake: Uma história de dissidências e atualizações na cena contracultural e libertária brasileira” e uma entrevista exclusiva que nós fizemos com a artista, papão super sincero que atualiza os questionamentos radicais que infeccionou a normalidade branca e o anarquismo brasileiro na ultima década, além de reflexões importantes a cerca das políticas que circulam a dissidência sexual, o racismo e o capitalismo.
“Não devemos poupar críticas ao kuir, ao trans*, ao feminismo, ao anarquismo, ao freeganismo e veganismo, a decolonialidade, enfim… são todas terminologias epistemicídas. São bandeiras que chegam já comprometidas para nós e é importante queimá-las todas juntas em uma fogueira só. Depois disso agente pega as cinzas e mescla com nosso sangue escorrendo, nossa terra saturada, acrescenta água de chuca e envolve em folha de bananeira amarrando bem com o próprio cabelo. Isso servirá de patuá para nos ajudar sempre que precisarmos explicar racionalmente o processo de encontro ancestral que estamos traçando.”
“Anticivilizar o presente é uma evolução ancestral. ‘Ménage a Coiote’ é mais que uma homenagem. É a atualização de re-existências combativas por meio da memória e da conexão.
O Anti-Projeto Anarco Fake atualiza suas potências e compartilha com suas afins ao cantar histórias e cartografar os rastros que o Coletivo Coiote deixou. Ao evocar a força coiotêra conectamos todo seu aspecto mítico, nômade e criminal à poética banditista que em 1994 modernizou o passado cangaceiro.
Nesse Ménage (que na verdade é um surubão) Mana Joaquina chupa a bucêta da Maria Bonita, Chico Science lambe cu de Lampião e o troca troca troca segue o flow dos nossos tempos, embalado pela coragem degenerada do Anti-Projeto.
Anticivilizar é o mote. Buscar instruções para o fim do mundo-humano enquanto fazemos a travessia para uma nova era de utopias radicais, baseadas no que se tem para o agora. Muites não entenderam, outres jamais entenderão. Foda-se. Denuncia, Criação, Memória, Afronta, Vida, Morte, Violência, Ruptura e Gozo Dissidente: Ménage a Coiote!
O ano é 2011 e o evento era uma varieté na okupa anarkopunk Flor do Asfalto, localizada na região portuária da cidade do Rio de Janeiro, talvez a okupa com mais representação sexodissidente no Br$il e onde estes debates pareciam mais amadurecidos, sem negar a existência de uma apropriação desonesta para os machos anarquistas pagarem de não opressores. Enquanto Mogli Saura se pendurava em tecidos, rolava funks no lounge de um imóvel em ruínas, cercado de comida reciclada, barracos, biritas artesanais, além de uma composteira de bosta e outra de vegetais ao fundo. Este era o cenário de aquecimento de uma apresentação inesquecível do anarcofunk, a ser estragada por um macho punkeca, visitante da Disney World, que ao se sentir escanteado na balada e ouvir o “vou liberar geral, amar a quem quiser” do AnarcoBrega, iniciou uma porradaria contra duas pessoas que trocava carícias sem ele.
Este fato dá o tom sobre como ao mesmo tempo em que se tentava vivenciar práticas dissidentes e antinormativas tinhamos que lidar com comportamentos clichês de homens héteros brancos, filhos da burguesia, mas crentes que tinham rompido com seus privilégios. De lá pra cá muita coisa mudou, conflitos intensos sobre reproduções cisheterosexistas implodiram e deslegitimaram a honra radical das okupações anarkopunks no Bra$il e trouxe para o ativismo sexodissidente importantes contribuições que reverberam até hoje na construção de suas próprias perspectivas e sobretudo na ativação de uma rede que consipra, rebola e sobrevive enxergando no fracasso uma espécie de potência nutridora do caos permanente, necessário para as mudanças que almejamos aqui e agora.
É com esta energia inebriante que propômos a Mogli, uma das figuras mais emblemáticas das movidas anarquistas, punk e queer dos anos 2000 no Brasil, uma entrevista exclusiva que revive toda esta história e publiciza uma agitação que ficou oculta durante boa parte da década passada, porém viva, contaminando vários fazeres e servindo como inspiração para outras construções. Aqui vocês podem conferir apenas uma parte da entrevista, nela a artista caga em toda pureza que a radicalidade prega pra si, deixando rastro de merda nas convicções que estas políticas colonialistas pregaram como verdade. A versão completa desta conversa estará no zine que será lançado dia 01/08 e distribuído para todo país pela Distro Dysca.
“Celebrar o lançamento do primeiro EP do Anti-Projeto Anarco Fake faz remeter as forças e movimentos que o levaram a ser como é neste exato momento. Se refere a todo um contexto queer contracultural que chegou até mim em 2008 e hoje se desdobrou na recente cena cultural, pop e mainstrean representativa.”
Mogli Saura
Monstruosas: Conhecendo um pouco a história do projeto e atenta aos contextos políticos que ele está atrelado e se inspirou, é possível dizer que ele também é sobre uma atualização crítica a respeito das decepções, contradições e apego à uma pureza de cunho religioso presente nos ativismos políticos radicais?
Mogli Saura: Sim com certeza. Como digo é o meu acerto (para não dizer fechamento) de contas com os movimentos ditos radicais que vivi. Essa atualização começa sua cartografia em 2012 (com o verdadeiro rap do fracasso) e vai até os dias de hoje se desdobrando em processos descoloniais mais aprofundados (que ainda vou gravar), para além das fronteiras da radicalidade. Vejo que muita coisa mudou desde 2012. Começamos a identificar e afrontar a norma estrutural desde dentro dos movimentos ditos radicais. Isso gerou uma série de dissidências e a partir daí foram surgindo iniciativas que deram conta de sacudir as estruturas, criar (e destruir) espaços, formar redes, fazer encontros, enfim. Esse movimento de dissidência das/nas comunidades dissidentes (crítica da crítica) e abertura para (outras) experimentações comunitárias pautadas em questões mais locais como raça, etnia e gênero, entre outras, possibilitou uma sutilização da percepção sobre a questão das radicalidades evocadas, e o que isso poderia significar. A ideia do inimigo exterior e a “escolha” das demandas a serem pautadas – sempre externas, eternas e distantes, com um tom romântico, heroico e trágico, típico da maior parte dos ativismos – começou a ser cogitada a não estar sempre em primeiro plano. Passou-se a olhar mais para a questão da importância do cuidado e do cotidiano como elemento (fundamental ao meu ver) de re-existência. Passou-se a perceber (um pouco mais) os limites aos quais estamos emaranhades, o quão ardilosa e complexa é a lógica colonial, e como “ninguém” “nunca” esteve fora de nada (leia-se “o sistema”).
Eu venho pautando essas discussões desde 2009 tendo algumas ressonâncias aqui e ali. Obvio que essas mudanças ocorreram a custo de muita desilusão e ruptura. Não foi fácil para a maioria das pessoas envolvidas nos processos. Basta olhar ao redor e pensar nos coletivos todos que acabaram de formas péssimas, com histórias de violência típicas da família tradicional, com todo tipo de treta que se possa imaginar. Toda uma série de coletivos que desde 2005 vinham se construindo com base em relações profundas de extrema confiança, que projetavam a vida em conjunto, que viviam sob ideais semelhantes. Eu fiz/faço parte disso. E embora desde sempre estivesse alertando de (modo irônico mas sério) sobre a importância de questões como a preservação do fracasso como parte do plano, também padeci em alguma medida do fracasso geral de nossos esforços. Mas é esse fracasso que me traz até aqui – por que agora cada qual tem que dar seus pulos para sobreviver no capitalismo fora das comunidades e relações que estruturaram e possibilitaram outros modos de vida anti sistema. Nessas eu acabei assumindo aquilo que negamos e criticamos o tempo todo, ao me produzir enquanto mercadoria (de modo espetacular, acima de tudo). A antiarte sempre foi meu modo de existir dentro desses movimentos, tensionando, questionando, experimentando, refazendo, propondo… Hoje ela tem sido meu modo de sobreviver no mundo do trabalho. De todo modo nunca fui pura e de princípios. Então segue o baile.
M: Essa ideia e percepção da ruptura, que articula os coletivos, indivíduos e as iniciativas radicais – arriscaria dizer, de todas as filosofias políticas – acreditarem que romperam radicalmente com a hegemonia, porque agora entende outros processos e dá valor a outras coisas, acaba por negligenciar algumas pautas, reproduzir absurdos ou romantizar visões atribuindo todo problema a uma única origem e desta forma estabelece inimigos de forma estanque e totalitária, sem malemolência e sagacidade pra entender estratégias de sobrevivência e construção política como conjunturais e momentâneas. É possível dizer que, de certa forma, o ativismo mais radical da dissidência sexual por estarem no limbo do movimento negro, indígena, sem-terra e sem teto, da esquerda, do feminismo, do transfeminismo, da ecologia, dos direitos animais e até mesmo do próprio anarquismo – que hilariamente se diz tão abrangente anti-opressões – soube desenvolver um oportunismo estratégico e vital que se beneficiou tanto da implosão dos espaços que passou quanto de um medo/deslumbre dos autointitulados desconstruides que permitiu a conexão de uma rede de apoio mútuo a partir das próprias tretas?
MS: Minha experiência é do meio anarquista mas acredito que houve/há uma sabedoria bastante singular nos seguimentos gênero e sexo dissidentes radicais, advindos de nichos diversos de lutas, que permitiu não comprometer determinados esforços (existenciais, éticos, políticos, econômicos, coletivos e pessoais) e não condenar a luta à frustração, após a desilusão nos recentes processos de ruptura das articulações políticas da nossa geração (2005-2020).
E mais que isso, como vocês bem disseram, souberam fazer da crise nutrição para o próximo movimento, liberaram/atualizaram a potência retida em esqueminhas de poder e normatização, fomentaram denúncias e afrontas, e seguiram a vida criando conexões alternativas e até mesmo impensáveis. Creio que a partir dessas tretas, rupturas e seguimentos, fomos sendo mais cauteloses e assertives em nossas amizades, parcerias e empreendimentos, fortalecendo relações antigas (e novas) que testemunharam fracassos e passaram ao próximo momento juntas; desenvolvemos outras éticas e políticas com critérios (ainda) mais interseccionais, que necessariamente dão mais amplitude, sensibilidade, empatia e ginga.
Vale dizer que vejo esse elemento de pré disponibilidade em corpas sexo dissidentes radicais sim, e que (ainda assim) continuam sendo raras as pessoas que trazem essa disposição de identificar a merda, investir na destruição, fomentar alternativas e partir para outras; para além de ressentimentos e frustrações, aprendendo a organizar, conduzir e transformar o ódio, buscando o autocuidado dxs e entre xs nossxs. Mas independente de conseguir dar conta de tudo isso (que já é grandioso) sem se estripar, tem um (outro) elemento compartilhado entre nós que é importante ressaltar: nós (já) esperamos o pior desde o começo e isso nos obriga – enquanto experimentadores radicais de si, conscientes daquilo que representamos no mundo colonial – a criar estratégias resilientes (que possam minimamente prever possíveis conflitos e fazer saídas urgentes de modo a preservar a possibilidade de dar sequencia ao experimento em vida). Nós sempre suspeitamos. Sempre houve aquelas pessoas que estavam ali até o caroço, se envolvendo e construindo junto, somando fortemente à luta, mas sempre com um pé atrás, não comprando o pacote completo, chamando atenção para as violências – e atualizações sistêmicas das mesmas – que ocorriam nos guetos da resistência e que passavam “despercebidas”. Tem um contar com o fracasso aí. Não por que somos pessimistas (só por ser) mas por saber que não podemos depositar nossa autonomia em processos que estão comprometidos com valores coloniais, de tal modo, que quando se toca a parada ela surta e te agride. Talvez com isso tenhamos cultivado a qualidade de produzir fertilidade e possível em meio as crises de modo singular, e por essas e outras estamos tendo a felicidade de poder nos articular para projetos que se guiam muito mais pela qualidade de determinados encontros (que são poucos inclusive, mas que garantem a nutrição necessária para seguir com dignidade). Enfim, “sabemos” extrair o melhor dos processos críticos, temos uma base ancestral de desenvolver inteligências para (hoje) dar a “volta por cima” do colapso geral. Justamente por que antes de nós vieram outres que deixaram um legado de resiliência, em especial as travestis racializadas.
M: Você diz que agora assume aquilo que negou ao se produzir enquanto mercadoria, este é um debate muito tenso e longe do consenso, afinal circula sobre assimilação capitalista, apropriação cultural, prostituição e precarização do trabalho. A Jota Mombaça, antes de ser celebrity international falava em “agir como um câncer e pensar como um vírus” e nós agregamos o “lamber como felinos, comer como porcas e morder como cobras”, pra não falar do “a boca que xinga e a mesma que chupa”. Se por um lado é impossível fugir da mercantilização pois todos os corpos, inclusive os mais bem remunerados, assumem um lado objeto, por outro dá pra entender teu Anarco Fake como uma atualização do que vem se tornando assimilável, como se estivesse abrindo cada vez mais a ferida, porque lá dentro tem um monte de bactéria hedionda que faz festa nestas fissuras. Se o “Menage a Coiote” bombar, certamente a Fátima Bernardes vai te chamar pra um papo, eae? cogita mudar o cuzinho melado pelo coração ensaboado?
MS: Hahahaha! Essa é ótima! Nossa, é bem sobre isso. Eu formulo o como seguir viva(s) nos movendo entre matilhas enquanto atravessamos o deserto. Não sei se conseguimos fazer algo mais (combativo) num contexto (de trabalho) como esse além de praguejar o sistema enquanto nos “infiltramos” nesses meios. Esse papo todo de ocupar brechas e tentar mudar de dentro acho bastante furado também, as cartas tão dadas, as pessoas e instituições que colocam a grana não tão de bobeira, capitalismo não é brincadeira, assimilação não é farra, é trabalho pesado e envolve questões muito delicadas que custam caro “as nossxs”. Ser celebrity não é o que se imagina, essa galera (dita dissidente) que tá inserida nos mercados das artes não tem garantia de um futuro tranquilo nem tá (realmente) montada no cash como muites acham. A realidade não é o que se vê no instagram. Envolve muita negociação, abdicação e até mesmo mudança de paradigma.
A Michelle Mattiuzi fala sobre a treta toda que é ser artista preta e ter que lidar com as expectativas políticas que a corpa e a obra (que não desassocia da vida) “tem que” responder aos ativismos, como se houvesse uma obrigação e responsabilidade inerente ao fato de ocupar determinados espaços. Ou seja além de lidar com a merda toda do racismo e misoginia estrutural dentro das instituições tem os movimentos cobrando. Eu tenho achado isso tudo cada vez mais uó na real. Artistas de origem periférica, racializades e sexodissidentes não tem que dar satisfação aos movimentos por serem artistas, artistas-não-brancxs-e-cis pobres são trabalhadorxs que tentam levar uma vida menos precária e com mais possibilidades. Embora tenha gente que se passa no ridículo e perca totalmente a noção do contexto em que se inseriu, fazendo discursos de luta dentro e fora de suas obras e cagando nos close, se equivocando muito… não cabe a mim fazer o apontamento, quem sou eu na fila do pão, né? Como se diz, hoje pavão amanhã espanador. O tempo ah de situar cada qual na realidade. E além de tudo isso penso que conseguir sobreviver como artista (sendo dissidente) e conseguir abrir espaços para outras fudidas adentrarem esse campo (como fez a Pêdra Costa e a Michelle por exemplo) já é uma batalha digna de reconhecimento mínimo.
Enfim… Tento não focar tanto no que pode ser para o mundo e pensar mais no básico local. Para mim tem sido muito sobre dar seguimento ao processo de nutrição pessoal e comunitário. Penso que minha produção atual está em um momento de generosidade. Estou vindo de processos de fermentação e compostagem no qual derivou essa proposta, entre outras que estão por vir. O Anti-Projeto está vindo para abrir caminhos de possibilidade e abundância em meio a desgraceira. A doença já está dada, temos de focar na cura, na prevenção e evolução. As questões e afetos que trago em meu trabalho por si só darão o sentido de seu futuro. Não sei se se trata de pensar (agora) no que fazer caso bombar, em como me portar… Acredito que seja possível prosperar sem precisar operar na lógica comparativa e valorativa do mercado, da crítica, mas para isso tem de ter uma base muito convicta de como sobreviver ao que vem pela frente… Eu não me vejo inventado nada nem promovendo tendência (falsa modéstia).
Por outro lado minha experiência aponta a necessidade de produzir uma (outra) base material que dê conta de minhas estratégias de sobrevivência, e nesse sentido, sendo bem realista, creio que vai dar conta sim de minhas demandas já que me articulo a muito tempo pelas laterais da economia dita básica (e comum) e não planejo ser rica (e famosa) segundo os critérios do capitalismo. Na real eu já sou rica meu amor, tanto que to compartilhando com vocês meus tesouros. É sobre outras referências que construo meu movimento enquanto a profissional que nunca me esforcei para ser, e que agora estou criando com toda uma base dissidente de fim de mundo. E como diz a Bruna Kury o mercado terá de nos engolir. E eu boto fé que (para além de entender) tem nicho de mercado pra tudo que é coisa nesse mundo, ainda mais agora que ele tá nas últimas, meu som vai navegar sem dúvida, rs. Uma outra treta que vejo é a de se distanciar das bases que você evoca e protagonizar e representar determinadas coisas em função das demandas dos setores de assimilação. Isso acontece e quando vemos estamos distantes do nosso terreiro, rodeades de gente que nos chupa agora mas a qualquer momento pode nos dar as costas em situações comprometedoras. Mas é isso estamos descobrindo né, cada qual no seu momento com suas prioridades. Só espero que a coisa do bando se efetue de fato e que as celebritys me chamem pra fazer coisas bafo. De todo modo prometo não virar uma otária como certas figurinhas que (aparentemente) “ficam ricas” e não olham mais na cara das fudida kkkkkkk. Se não puder gastar onda não é minha reforma (já que falar em revolução é artigo de luxo no capital cognitivo do meio das artes). Quero fazer um duo com a Linn da Quebrada cantando coração ensaboado um dia no programa da Fátima Bernardes. #ficaadica
Falar sobre pornografia é um tabu dos bons, a crítica a ela une cristãos e feministas, conservadores e progressistas, fascistas e anarquistas. A moral e o pudor cristão que marginaliza e condena a auto experimentação sexual e a exibição pública da sexualidade se infiltra como valor de pureza, indicador de caráter e termômetro político nos mais distintos setores da sociedade, implicando no ambiente confortável e punitivo para que o pornô seja uma ferramenta pedagógica e difusora de uma sexualidade abusiva e excludente, controlada por homens brancos cis heterossexuais, além de servir para atualizar os estereótipos de gênero reforçando o cistema enquanto tecnologia da supremacia branca, a heterossexualidade enquanto regime político e normatize as práticas sexuais.
Entender que o pornô não tem uma essência violênta, mas é uma ferramenta operada a serviço de uma hegemonia sexista, foi o estalo para um movimento que pretende registrar práticas sexuais contrárias à norma cishetero e sugerir que corpos não hegemônicos, abjetos e com diversidade funcional também possam experimentar e criar suas sexualidades, protagonizando seus registros sem ser fetiche ou categoria. Desta forma o póspornô, pornô dissidente, pornô desviante, autopornografia, entre outras formas questionadoras do pornô hegemônico, emerge como uma ação política que atua na construção de outras possibilidades hoje.
Com objetivo de compartilhar e difundir um pouco mais esta tática a Monstruosas realizou uma entrevista com a EdiyPorn, a primeira produtora de pornô desviante e dissidente do Bra$il. Lançada publicamente em abril de 2020, a EdiyPorn nasce com a proposta de hackeamento de imaginário dentro do mercado pornográfico e tem como premissa produzir com tesão, sem separar os vídeos por categorias objetificadoras, uma vez que não se importa só com a imagem, mas sim, prioriza a confiança e o consentimento sobre todo o processo de produção. A produtora conta com a dupla protagonista do Golden Shower no Blocu, durante o carnaval de São Paulo em 2019, a performance repercutiu mundialmente devido ao interesse do atual Presidente do Brasil pela prática realizada pelas performers, transformando-a em assunto de Estado e se firmasse como um importante ataque na moral conservadora nos últimos tempos assim como as performances do Coletivo Coiote e das intervenções das Putinhas Aborteiras.
A entrevista seguiu um esquema de putaria horizontal onde a EdiyPorn também entrevistou Timboiá Igbalé, uma das colaboradoras da Monstruosas materializando o 69 Anticolonial, um troca x troca entre EdiyPorn e Monstruosas, a entrevista da nossa absurda monstrinha você pode conferir aqui.
Monstruosas: A Ediy se pretende uma produtora de pornô desviante, com base numa crítica sobre a representação hegemônica da sexualidade que acaba por normatizar desejos. Na prática, de que forma se faz isso? E porque é tão importante ressignificar o pornô?
EdiyPorn: O que queremos como produtora é mexer na lógica de produção e consumo de pornografia. O pornô mainstream tem um modo de trabalho bastante similar ao audiovisual que lida com uma equipe muito setorizada, roteiros, hierarquias de set e de produção, onde o objetivo principal é ter um vídeo como o planejado e que ele seja rentável economicamente. Então, quando falamos sobre pornô desviante é sobre mudar essa estrutura de trabalho. O objetivo principal de um set nosso é que as pessoas que estejam performando desfrutem do encontro de corpos e das práticas feitas, que tenham tesão e gozem. Para isso entendemos que toda a equipe tem que estar confortável e atenta aos performers para que estes possam estar a vontade e as câmeras interessadas na ação, nas pessoas, em como isso está sendo impresso na imagem. E a gente vem percebendo sobre a importância da pessoa que edita o vídeo ter esse olhar também, esse tesão pela imagem retratada na cena para poder trabalhar a edição de forma que seja guiada pelo tesão que rolou entre performers e que conduza o espectador ao prazer. Acreditamos que ressignificar o pornô é mexer nele desde a estrutura e pelo afeto. Há um tempo a gente vem constituindo redes e comunidades. Relações que criam possibilidades surgirem frente ao aplastamento normalizador de subjetividades. E também tem a ver com isso a ressignificação do pornô: com quem estamos produzindo? Para quem? O pornô é um veículo para alargar percepções de sexualidade e é importante ressignificar essa linguagem porque ela desempenha uma força estruturante das formas como nos relacionamos. Como aprendemos a nos relacionar pelas lógicas coloniais, reconhecemos a urgência de mexer com o que sentimos como sexual, o que entendemos como prazer, como desejo, desejante ou desejável para que a gente possa trepar com um gozo livre no mundo que estamos preparando em resposta à esse que cai.
M: No site da produtora tem uma sessão chamada “Goze Junte”, vocês dizem que a putaria é feita por todes. É um claro chamado pra se juntar a um bonde gozante através da prática masturbatória, onde, de certa forma, provoca as pessoas a gravarem vídeos se masturbando e compartilharem. Qual a importância do autoregistro e da auto-exposição na construção de uma sexualidade desviante?
E: É o rolê da construção das próprias narrativas, né? O autoregistro é meio que uma masturbação cyber: você se sente e também se vê de fora, fica gravado, é ser voyeur e exibicionista se vc se assiste, ou exibicionista manda pra outres, ou vc pode entrar nessa uma orgia cyber se vc manda pra gente da EDIYPORN subir no “Goze Junte” rs. E tem também uma parada da masturbação que a gente gosta muito que é a exploração do autoprazer como um caminho que nos damos para se descobrir, um processo de autoexploração, autoconhecimento e cuidado. Dar tesão pra si. Aí pensamos: e se compartilhamos esse autoprazer com outras pessoas? É intercambiar referências, é entrar e ver as diferentes formas, lugares e objetos que outres usam nesse momento consigo.
Então vem a potência da auto-exposição reafirmar as redes: nenhum corpo se constitui sozinho. Pensamos que essa aba do site é pra ser um ponto de encontro que cria um banco de referências de corpas e tesões. Nós, corpas bixas, travestisgêneres, sapatonas, gordes, pretes, nbs e tantas outras temos poucas referências dos nossos corpos sendo bem retratados e tendo prazer no pornô, sempre fomos rechaçades ou fetichizades, então a auto-exposição é poder ter autonomia sobre como vamos retratar nosso corpo, prazer e desejo e de como podemos nos fazer desejáveis.
“Nossos olhos estão viciados a se atraírem pela estética hegemônica: corpos esculpidos em academia, proteína e silicone, bucetas sempre dispostas, cus que são feitos para os paus, paus gigantes que fizeram a gente associar a dor de uma penetração à prazer, locações descuidadas, diálogos superficiais, tesão atuado… essa lista é pencas extensa. Precisamos de um detox!”
M: A categoria “amador” na pornografia digital é a mais acessada, contudo apesar de ser mais flexível quanto aos padrões corporais e etários, se percebe cada vez mais estas produções se aproximando dos estereótipos hegemônicos quanto ao corpo e ao comportamento, nos fazendo refletir sobre o tamanho da influência da pornografia convencional na educação sexual e até mesmo na própria concepção de sexualidade. Vocês refletem sobre esta função pedagógica do pornô? como pretendem expandir isso para além de um negócio entre amigues?
E: A pornografia amadora é muito acessada e tem uma oferta enorme de corpos. Mas quais desses pornôs tem sido mais fomentado? Quem tem ganhado mais biscoito? Porque mesmo quando a gente não paga por putaria na internet, cada view, like ou seguidor também é um capital e a moeda é a atenção e o tempo de usuários dedicado àquele conteúdo. O que consumimos de material pornográfico vai construindo nossa subjetividade e alimentando nosso imaginário sexual.
Pelo que temos visto e pesquisado, a pornografia amadora que mais vende é aquela que mistura corpos do pornô mainstream, práticas genitais e selfies de instagram numa estética de tumblr. É uma receita de mercado que se aproveita do vício imagético construído pelo pornô tradicional. Nossos olhos estão viciados a se atraírem pela estética hegemônica: corpos esculpidos em academia; proteína e silicone; bucetas sempre dispostas; cus que são feitos para os paus; paus gigantes que fizeram a gente associar a dor de uma penetração à prazer; locações descuidadas; diálogos superficiais; tesão atuado… essa lista é pencas extensa. Precisamos de um detox! Temos cada vez mais pessoas sudakas e dissidentes produzindo conteúdo tesudo, seguro e de qualidade. Cada vez mais pessoas negras, boycetas, lésbicas, gordes e travestis produzindo pornô e alimentando suas páginas em onlyfans ou justforfans – plataformas de venda de conteúdo amador.
Mas ainda essas produções seguem fragmentadas, você tem que dar uma boa garimpada na internet pra achar. Mas é isso, estamos num momento de mudança de paradigmas socioculturais, em que movimentos culturais e sociais estão gritando mais alto e com sede de reparação. Já nos demos conta da merda que a hegemonia branca heterociscentrada e magrocrata cagou com nossas subjetividades. Entendemos que a educação sexual que tivemos pelo pornô mainstream nos violentou. Nossa sociedade aprendeu a foder mal e se satisfazer com pouco. Nos ensinam a foder na receita binária de ativo – passiva, dominador – submissa, masculino falo, feminino buraco, numa foda que tem roteiro de 3 tempos: preliminar – penetração – orgasmo (mas o orgasmomasculino e peniano vale mais). Então estamos querendo nos deseducar e desaprender para poder viver nossas sexualidades sem toxinas normalizantes e, a partir dessa vivência, produzir um pornô que desvia dessas normas, alimentando uma subjetividade sexual sem receita e sem fronteira. E esse movimento ganha muita potência no momento que alcança mais pessoas, no momento que sai da nossa bolha de amigues. Isso é sobre aumentar a rede e o público, desde que começamos a pensar e construir a EDIYPORN no começo de 2019, a gente vem se abrindo e conhecendo muitas pessoas que também estão pensando, repensando e vivendo a sexualidade de maneira interessada na mudança das narrativas pornograficas tradicionais. Estávamos a todo o vapor, com planos de gravações e encontros e rolou pandemia e quarentena. Sem poder gravar novas cenas decidimos expandir ainda mais a essa rede e buscamos pessoas que estão produzindo pornografia independente e massa para somar com conteúdo para o site. Nós estamos comprando material dessas pessoas, mas não temos muito acué pra oferecer, então, acaba que quem chega junto é porque bota fé no projeto, é por acreditar que podemos criar essa outra forma de fazer e consumir pornografia. Temos trocado ideia com uma galera muito boca e isso tem nos levado além das fronteiras físicas de São Paulo e também estamos em diálogo com produtoras que trabalham com mainstream, mas que acreditam num outro pornô. Nosso desejo é de expansão: entrar no mercado e poder ter circulação de acué pra fomentar dignamente quem está no pornô desviante.
“O bloqueio das sexualidades desviantes é parte do higienismo social que faz a manutenção do racismo e das fobias estruturais. É o mesmo higienismo que fazos planos urbanísticos marginalizarem vidas não abastadas, em crescente expansão pela especulação imobiliária, que é responsável por tomadas de terras indígenas, chacinas em periferias e suicídios de pessoas sexo-gênero dissidentes.”
M: Um outro aspecto interessante é o PORNOSHOW, onde realizam ações performáticas que também trazem processos de investigação e pesquisa artística, aliás o pornô e arte sempre estiveram intimamente ligados, talvez por ambos se conectarem através dos estímulos sensoriais e subjetivos. Pra vocês, quando o pornô se distancia da arte e quando a arte nega o pornô enquanto tecnologia provocadora e produtora de desejos e de realidades?
E: O pornô começou com a arte. Preciado escreve q a noção de ‘pornografia’ surge entre os séculos XVIII e XIX e se referia a pinturas tidas como “obcenas”. Então, num sentido subjetivo realmente estão intimamente ligados e ambos são fundamentais para a construção do nosso imaginário. Mas talvez haja um distanciamento entre eles que por um lado é mercadológico: qual é o produto e onde será vendido ou exposto, e por outro uma questão de proposta: desfrutar? refletir? entreter? criticar? o que queremos com esse material? Vemos os PORNOSHOWs como ações disruptivas desses supostos distanciamentos. São performances que rompem com o lugar onde nossa sociedade coloca o sexo: a esfera íntima retraída pro privado, velado, obsceno. Então, causa uma reflexão acerca de certas práticas sexuais e de certas corporalidades ao mesmo tempo que produz imagens de prazer e desfrute. A pornografia reafirma o colonialismo quando enaltece os corpos brancos, cis, magros e héteros realizando práticas binárias e genitais. E a arte reafirma a lógica colonialista meritocrática baseada em interpretações, signos e significados, se esquivando de ações explícitas, e as negando enquanto tecnologia produtora de subjetividade por serem “vulgares”. Nossa sociedade ainda vê a sexualidade como algo estanque, que vem junto com o nascimento e “é assim”. Quantas vezes já não escutamos frases racistas, misóginas ou fóbicas sendo amparadas pelo intocável e inexplicável desejo sexual, o clássico: “eu super respeito, mas não gosto de trepar com x tipo de corpo, é meu desejo.” Mas entendemos quenosso desejo foi construído socialmente e nesse limbo entre arte e pornô, há movimentos que o afirmam como espaço de disputa, e é por aí que fluem os pornôs feministas, pós-pornôs e pornôs desviantes, tecendo críticas ao mesmo tempo que se estabelecem como fazedores de realidade.
M: Recentemente, juntes com o coletivo Revolta, organizaram o MAKE ME CAM: TE COVID A GOZAR, onde trataram sobre as questões do isolamento social nas dissidências sexuais. Podem falar um pouco da experiência?
E: O processo de construir o ciclo foi muito bacana. Foi uma proposta que surgiu do Coletivo Revolta em parceria com o curador Guilherme Teixeira. Foi sobre discutir e experienciar esse lugar em que a arte e a pornografia dialogam. As ações do Revolta, assim como os PORNOSHOWs habitam esse lugar. Viver esse momento pandêmico está sendo um desafio para todes. Principalmente pra quem trabalha com arte, audiovisual e entretenimento e para as populações marginalizadas por raça, gênero e classe. Essa crise reafirma muito as questões de privilégios e vulnerabilidade e o olhar que temos para a sexualidade é buscando as relações dessas heranças colonialistas com nossos desejos e prazeres, então elaborar essas questões por meio de trabalhos artísticos construídos e discutidos em coletivo é muito rico. E é também sobre seguir em movimento, apesar da crise e na medida do possível, é sobre gerar energia de vida. Foi muito potente o MAKE ME CAM para dar mais sentido ao que estamos fazendo, fortalecendo a rede de afetos que temos e reinventando o modo como podemos circular e alimentar a cultura e a subjetividade.
M: Além da dissidência sexual, uma das coisas que mais assustam a moral e os costumes dos cidadãos de bem falsos moralistas são as práticas escatológicas, mesmo assim tem uma quantidade absurda de gente que adora este babado mas fica numa espécie de armário. No campo do pospornô no Bra$sil, tem a Kali, do DF, com uns vídeos deboches sobre a menstruação, a Bruna Kury, de SP, tem um trampo de bosta com gliter, entre outres. Enfim, vocês pensam em explorar esta categoria? Já tem algo saindo do forno neste sentido?
E: Certamente! A gente tem alguns vídeos online que envolvem mijo e um da série Autoprazer (série dedicada à masturbações de autoexploração) com merda – que é um pouco tímido em relação à scat, mas é algo. Está em processo de edição outro vídeo de Autoprazer com sangue de menstruação e ainda pretendemos explorar muito mais esse campo, performers com tesão nisso nós temos! Nós também exploramos bastante a escatologia nas ações PORNOSHOW, quase sempre envolvemos mijo (uma das ações que ficou mais conhecida foi a que viralizou como Golden Shower), também já cagamos em cena e já rolou performances com sangue. Entrando nesse lugar em que a arte adora, podemos interpretar a escatologia como uma prática que rompe com as lógicas do capitalismo branco classista. A normalização compulsória imposta pelo sistema fez a gente odiar nossos corpos fora do padrão, fez com que sentíssemos nojo dos próprios cheiros e fluídos e vergonha de certos desejos e prazeres. O bloqueio das sexualidades desviantes é parte do higienismo social que faz a manutenção do racismo e das fobias estruturais. É o mesmo higienismo que faz os planos urbanísticos marginalizarem vidas não abastadas, em crescente expansão pela especulação imobiliária, que é responsável por tomadas de terras indígenas, chacinas em periferias e suicídios de pessoas sexo-gênero dissidentes. Então, podemos dizer que a escatologia é muito potente como simbologia e tecnologia de resistência.
M: Aqui no Brasil, existe um estigma muito violento contra as pessoas que vivem com HIV, sobretudo quando estas exercem trabalho sexual, seja na prostituição, seja no audiovisual. Visibilizar pessoas que convivem abertamente com o vírus em práticas sexuais com pessoas localizadas ou não com vírus, tendo em vista o efeito pedagógico da pornografia, pode contribuir para a autoestima e propagação do debate sorológico?
E: Sim, de fato, o estigma em relação ao HIV-AIDS e às pessoas soropositivas ainda está muito presente no Brasil. A grande maioria das pessoas, inclusive LGBTQIA+, não estão acompanhando os debates sorológicos e os avanços das possibilidades de tratamentos com antirretrovirais ou métodos de prevenção como PREP e PEP (profilaxia pré-exposição e profilaxia pós-exposição). Essa falta de informações sobre o tema é a principal aliada para que o espectro em torno do HIV-AIDS siga sendo aquele dos anos 1980: temor em relação à infecção pelo vírus, associar as pessoas soropositivas à morte ou fragilidade, receber a notícia da infecção como uma sentença de morte ou sentindo auto repulsa, a recusa em ter relações sexuais com pessoas convivendo com HIV… Nós temos sorte de trabalhar em meio sexo-gênero dissidente que está fomentando o diálogo em relação à temática e acompanhando as discussões atuais sobre o tema. Sendo assim, não podemos deixar de comentar que quando falamos sobre HIV-AIDS é fundamental falarmos sobre questões raciais e de classe, pois hoje ainda há um grande número de pessoas que não conseguem acessar os tratamentos e a população preta e de baixa renda é a que mais morre por consequências da AIDS hoje. Então nós como uma plataforma que trabalha com sexualidades, planejamos circular variados materiais sobre HIV-AIDS na cessão de Diversos que é aberta ao público para poder informar e fomentar por meio de textos, vídeos e podcasts essa discussão urgente.
Respondendo mais diretamente à questão, é fundamental que a gente quebre o imaginário herdado pelo apelo midiático dos 80. Uma estratégia para isso é investir nas mudanças das narrativas que envolvem HIV-AIDS, e nesse sentido a pornografia tem muito a contribuir ao criar ficções que abordem o tema sem tabus e com informações sobre métodos de prevenção ou sobre a possibilidade de tratamento hoje, a impossibilidade de transmissão quando se está indetectável, que são informações que podem ajudar para que a autoestima das pessoas soropositivas não seja afetada pela convivência com o vírus ou pela desinformação alheia (que sabemos que resulta em situações violentas). Nós temos um vídeo que está online que chama Blue Shower, e traz a temática da PREP como alternativa de prevenção. São imagens de uma sapatona (Renatame) fazendo um shibari num viado (Gugu), ele desfruta do prazer de estar imobilizado e recebendo uma chuva de pílulas azuis, Renatame bate nele com um chicote de camisinhas cheias de fluidos, depois ele se deda com uma camisinha interna no cu e mergulha numa água cor PREP. Acho que associar essas imagens ao prazer é contribuir com o debate sorológico, é trazer pro âmbito pornô o prazer de pensar e cuidar da nossa saúde sexual. Pretendemos explorar muito mais e de diversas formas essa temática em futuras produções.
28 de Junho foi o dia que eclodiu a Rebelião de Stonewall, uma série de manifestações radicais de pessoas sexodissidentes contra a violência policial no bar Stonewall Inn, no bairro de Greenwich Village, Manhattan, em Nova York, num contexto onde o sistema jurídico, médico e político eram consistentemente antilgbt. A revolta que se tornou marco de luta para as questões de sexualidade e gênero dissidentes, tiveram o protagonismo de Marsha P. Johnson e Stormé DeLarverie, autointitulades dragqueen e dragking, além de membres da comunidade negra estadunidensse.
Cremos que a opressão e o controle contemporâneo das sexualidades, além de terem em seu cerne questões racistas também guardam premissas civilizatórias, uma vez que, mesmo muito antes da invenção da heterossexualidade, o prazer sexual e a reprodução humana sempre provocou um fascínio religioso, político e econômico, bem como foi de domínio de uma hegemonia e normatizada por uma elite. Diversas civilizações tiveram o poder de reduzir as infinitas possibilidades sexuais, de afeto e de expressão de gênero, que inclusive existiram e existem ancestralmente, a meros objetos de reprodução para a perpetuação de um clã, de um povo e dos valores de suas elites, em vários casos, sob o esquema da colonização e privatização da terra, através da produção agrícola e da domesticação de animais não humanos, embora não tenha sido um fenômeno universal. A coisa se naturalizou de tal forma que a própria comunidade negra e indígena já justificou a dissidência de sexogênero como coisa de branco e desvio antinatural, assim como os marxistas responsabilizaram o capitalismo por este comportamento social. Hoje em dia já sabemos que diversos animais não humanos, inclusive plantas, fogem as regras e características de masculinidade e feminilidade imposta pelas necessidades das elites das grandes civilizações e também que as culturas de povos nômades atribuíam o que hoje chamamos por transição de gênero e relações homoafetivas, ao âmbito da espiritualidade lhes garantindo poder político por isso.
Conhecida como sopa de letras a sigla LGBTQIA+ é insuficiente para expressar a necessidade de revolta e combate ao Cistema Heterossexista, que submete a humanidade a um controle supremacista do comportamento sexual e das expressões gênero, além de operar como tecnologia de expansão da supremacia branca. Neste marco que revive uma luta insurgente contra a violência proferida às expressões diversas de ser e existir na perspectiva da sexualidade e do gênero, nós resgatamos este ímpeto para afirmar a dissidência sexual como horizonte político que questiona este regime fundamentado nas genitais e cria o sexo enquanto categoria que define um sistema de valores e práticas. Ao afirmar a Dissidencia Sexual queremos nos referir também a uma posição radical de crítica a outras formas de política sexual inclusivas e colaboradoras desta ficção alienante como a diversidade sexual e a representatividade. Cada vez mais a sigla LGBTQIA+ remete a uma identidade pacífica e tolerante desta estrutura, além de cúmplice do mercado neoliberal, da supremacia branca e do urbanismo desenfreado. Se o Cistema Heterossexista é um regime político disciplinar, que produz e normaliza os corpos e as subjetividades segundo um ideal regulatório invisibilizador de sua própria operação política, alguns corpos que se autoproclamam queer, propagam em voz alta a diversidade sexual ou lutam por representação nas mídias que lucram com o amor romântico, são hoje, infelizmente, quem mais deseja a tolerância com este arranjo para caber na ordem disciplinar cishetero.
Queremos fazer o resgate da sexualidade e expressões de gênero das nossas ancestralidades negras e indígenas, não para romantiza-las e realocá-las no lugar de uma pureza divina, repetindo a mesma estratégia moralista e normalizadora da supremacia branca, mas sim para pensá-la críticamente, atenta as suas contradições e aos seus tabus, entendendo-nos como sobreviventes de nosso tempo, cientes de nossa capacidade de contaminação e destruição, para que a cosmovisão de nossos povos, não seja uma nova bíblia cagadora de regras, mas sim, uma referência que inspire a criação e a organização de nossas políticas hoje, aqui e agora. A vivência trans trouxe um bug nos sistemas de classificação da sexualidade ocidental, já que tanto a homo quanto a heterossexualdiade está esquematizada a partir dos genitais. A mudança dos padrões de gênero tem insistido em adaptar-se a essa conceituação colonial e cissexista, apagando o que de mais belo existe nesta implosão: a falta de sentido prático e material das conceituações pros corpos que não atendem a norma.
A dissidência sexual que defendemos entende que este cistema é fruto da supremacia branca, organiza uma economia baseada na servidão e ameaça animais não humanos e o meio ambiente diante da expansão supremacista da espécie. Não lutamos pela assimilação da nossa população no Cistema Hetero, advogando pelo direito ao casamento (embora seja estratégico nas questões de imigração), inserção nas empresas e aceitação na polícia ou exército, aliás, não há nada mais bizarro, racista e apagador da revolta de Stonewall do que celebrar militares e policiais lgbts. Abominamos o nicho de mercado feito para homogenizar e regular nossa pluralidade e rogamos para que as religiões supremacistas brancas, responsáveis diretas pelo nosso extermínio, afundem no próprio inferno que criaram nos vendo gozar ao transformar seus símbolos sagrados em brinquedos do nosso prazer e em lenha para o fogo da nossa paixão escatológica. Queremos construir a liberdade para as relações afetivas e de cuidado entendendo que ser livre não é optar pelo padrão hegemônico dentre outras opções, mas sim construir a política envolve nossas vidas.
Meu look é de recicle, detona fashionweek é o bonde dreadlock apavorando as bichas chiques
Mogli Saura
Propagamos uma noção de dissidência sexual radicalmente antiqueer, mesmo reconhecendo a sua importância na crítica que desenvolvemos, mas atentes que este termo chega no terceiro mundo a partir da academia e foi usado por lgbts brancas, ricas e hypes como arma para colonizar, subjugar e apropriar a vivência de monstres negres, periferiques e marginais. Queer não faz sentido no terceiro mundo, nem na favela, afinal aqui já existe uma monstruosidade assustadora da normalidade cisheterobranca.
Para mí, lo queer como apuesta política radical ya dejó de tener sentido desde el momento en que su identidad que era difusa e inidentificable fuera ya coaptada y vendible como queer, kuir, cuir o como sea
Constanzx Alvarez Castillo
Como gates, cachorres, onçes e lobes exercite a autofelação e lamba todo os corpos de quem você ama, entenda que chupar é um ato dissidente de cumprimento, por isso cremos que podemos usar a pornografia como uma arma para vomitar no mundo nossas experiências dissidentes e nossas criações que esquarteja a moral hipocríta e violenta que os nossos assassinos defendem. Somos radicalmente contra a concepção de família da supremacia branca: nuclear, monogâmica e geneticamente narcisita. Nossa fertilidade não é desperdiçada cagando cabeças mas florescendo novos modos de afeto e cuidado, resgatando corpos abandonados, orfãos e vulneravéis de abrigos. Na nossa manada circulam fedorentes, gordes e sujes, que transforma o nojo da hegemonia na nossa potência máxima. Acreditamos que nossa solidão se encerra quando começarmos a olhar pra nossa própria comunidade como digna de nossa sexoafetividade e nossa confiança, chorar pelo homem cis branco hetero ou pela sinházinha patrícia dondoca que não te quer, só revela seu autoódio e sua incapacidade de você mesma amar alguém como você. Os padrões hegemonicos que esfregam a mediocridade em nossos fucinhos e projetam nossa solidão merecem nosso profundo ódio, nada mais que isso.
Por menos orgulho pacificador e por mais revolta monstruosa
Como parte das programações para dar uma alivada na quartentena a produtora de pornô desviante Ediy, que realiza produções para reinventar imaginários sexuais, rumo outra lógica de criação e consumo de putaria e o Coletivo Revolta, organizador da Mostra Revolta, que teve como finalidade estimular sexualmente o fazer artístico, se uniram pra umidecer o isolamento numa programação bem exxxcitante de combate as normatividades cishetero.
MAKE ME CAM te COVID a gozar é um ciclo de ações entre as plataformas do CAM4, do Instagram e da Ediy Porn.
Durante uma semana, performances ao vivo, debates e um vídeo buscarão criar enunciados sobre o contexto do isolamento social, associando a pandemia do Corona Vírus com discussões urgentes sobre a produção da pornografia e do desejo. O ciclo é uma proposição dos coletivos Ediy Porn, Revolta e uma série de colaboradores e acontece do dia 09 ao 15 de maio.
Juntes, queremos pensar o lugar da câmera nas elaborações artísticas e mesmo em nossas vidas cotidianas hoje. Abrimos questionamentos sobre fisicalidade versus fiscalização de corpas, saúde mental de profissionais do sexo, (r)existência do trabalho sexual e o modo como a noção de transmissão perpassa tudo isso. Assim, refletimos sobre o lugar das dissidências sexuais no contexto da pandemia, tensionando o sentido de coletividade e interrogando a divisão entre público e privado que permeia o universo pornográfico e suas formas de consumo.
PROGRAMAÇÃO
09.05 – 19h LIVE Trajetos Pós-Pornôs Sudakas: auto-reflexões de uma década por @bixaria__ e @taisloba
Esta aberta a Convocatória de Trabalhos 2020 da Monstruosas, com objetivo de reunir material para propagação político-cultural sexodissidente e dar continuidade a uma agitação combativa que estimule o uso da criatividade e da estética enquanto dispositivo de insurgência contra a normalidade cisheterossexista e sua economia de controle e reprodução de corpos cisgêneros e heterossexuais, enquanto maquinaria genocída da supremacia branca.
Entendendo a revolta como uma prática divertida e excitante e o colapso como uma profecia necessária, esta chamada pretende mapear e inspirar produções da população sexodissidente em perspectiva antihegemônica, sob o ponto de vista que o CIStema é uma tecnologia civilizatória e racista que assegura uma norma de corporalidade e de comportamento necessária a dominação antropocêntrica, assim como a heterossexualidade enquanto regime político, que se fundamenta na família nuclear eurocentrada e estrutura cidades que desencadeiam a superpopulação do planeta, sob uma base de exploração racista. Desta forma ao pensarmos a partir do mote da dissidência sexual, entendemos a pertinência desta categoria como um marco disruptivo civilizatório, presumindo raça, classe, etnia e espécie como condições que desautorizam alguns corpos serem considerados sob a mesma lógica de respeito e importância de um corpo que o racionalismo moderno chamou de humano: aquele branco, heterossexual, cisgênero, civilizado, saudável e fértil.
Numa época de avanço do fascismo, reação cristã, sofisticação dos mecanismos de opressão e reelaboração das estratégias de assimilação, precisamos estar cada vez mais conectadas em rede e desenvolver narrativas combativas e dissidentes que garantam a imaginação e materialização de outros mundos possíveis. Nesta convocatória estimulamos ainda o resgate das concepções e entendimentos de cosmovisões ameríndias e africanas sobre sexualidade e gênero como também incentivamos a localização política e o desmonte colonial das reflexões contemporâneas brancas e eurocentradas a cerca deste tema, que se beneficiam do extermínio etnocída que a colonização, através da religião e da ciência, promoveu contra a pluralidade de arranjos das relações sexuais, de parentesco e gênero, acumulando status, alienando através de uma ruptura fictícia, agregando poder político e repercutindo seus postulados a partir de uma lógica etnocêntrica.
Desta forma convocamos urubruxes, boycetas, bizarres, pombas giras, monstres, positives, pirates, loucas, cyborgues, monstravas, piranhas, cachorres, putes, vacas, sapas, viadas, porcas, morcegos, ratos, aliens e demais não humanes e desumanizades a compartilharem seus trabalhos com esta plataforma, afim de colaborar na construção de uma memória sexodissidente ofensiva e contaminar corpos com a insubordinação e provocação aos sistemas hierárquicos, binários, racistas e especistas de dominação.
O material deve ser enviado até as 18h do dia 16/04/2020 para monstruosas@riseup.net, podendo ser em vídeo, texto, ilustração e fotografia. Os trabalhos selecionados podem virar zines, livros, adesivos, posters, patchs, lambes, camisetas e dvds, que circularão nas bancas da Distro Dysca, – iniciativa que distribui toda a produção da Monstruosas – bem como podem ser exibidos e expostos nos eventos organizados pela Monstruosas, além de indicados e distribuídos para mostras e festivais que a Monstruosas atua como curadora e apoiadora no Brasil e na América Latina. A Monstruosas se compromete com o envio de um kit com dvds, camisetas, zines, adesivo e pachs que contém nosso acervo e as demais obras escolhidas, a ideia é que as colaboradoras se conectem e absorvam o conteúdo propagado, atuem como contaminadoras reproduzindo e distribuindo este material com amigues, além de incentivar a exposição destes materiais pra venda, como forma de obter renda utilizando o trabalho ambulante e autônomo como estratégia de autodefesa para nossa população.